A mãe do expressionismo

Masp exibe obras da alemã Paula Modersohn-Becker, pioneira da escola em seu país

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Ela viveu apenas 31 anos, mas deixou plantada a semente do expressionismo em solo alemão, mais precisamente num pequeno vilarejo a 20 quilômetros de Bremen, Worpswede, que viria a se tornar uma comunidade artística na virada do século passado, atraindo a atenção de intelectuais como o poeta Rainer Maria Rilke (1875-1926). Sem Paula Modersohn-Becker (1876-1907) é difícil conceber a existência de grande parte da arte expressionista alemã consagrada nos anos 1930, especialmente a de uma das maiores representantes dessa escola, K?the Kollwitz (1867-1945) que, a exemplo da pioneira, foi inicialmente atraída pela linguagem naturalista. Seguindo os passos de Paula Modersohn-Becker, K?the Kollwitz dedicou sua arte ao registro do sofrimento humano, ao traduzir para o desenho a vida dos humilhados e ofendidos. Parte da extensa produção da primeira estará exposta a partir de hoje (para convidados e amanhã para o público) no Museu de Arte de São Paulo (Masp), como parte do Kulturfest, o festival cultural organizado pelo Goethe-Institut, que traz para a cidade 94 obras do Instituto de Relações Culturais com o Exterior de Stuttgart. A exposição, Primeiro Expressionismo Alemão: Paula Modersohn-Becker e os Artistas de Worpswede - Desenhos e Gravuras (1895-1906), reúne 64 obras sobre papel, 19 fotografias e 11 livros dela e de outros artistas que conviveram com a artista em Worpswede, captando tipos e paisagens desse pequeno vilarejo rural: Otto Modersohn, marido de Paula, Fritz Overbeck, Heinrich Vogeler, Fritz Mackensen e Hans am Ende, todos integrantes da comunidade artística criada em Worpswede numa época - fim do século 19 - em que pintores começavam a trocar seus ateliês urbanos por áreas remotas, não só na Alemanha como na Escócia e outras regiões da Europa. Muitos desses artistas voltariam depois para a cidade, trilhando caminhos perigosos, como Fritz Mackensen, seduzido pela ideologia nacional-socialista e elevado ao posto de diretor de uma escola de arte com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933. Felizmente, Paula Modersohn-Becker não viveu para ver a conversão do ex-professor ao nazismo. Primeira artista alemã a prestar atenção às lições pós-impressionistas de Cézanne e assumir sua influência - como prova a natureza-morta reproduzida nesta página, pintada em 1905 -, Paula teve dez anos para realizar sua obra, antes de morrer, em 20 de novembro de 1907. Deixou 700 pinturas, 13 gravuras e mais de mil desenhos, trabalhos que registram não só a paisagem e os fazendeiros de Worpswede como reveladores auto-retratos. O que ilustra esta página foi feito quando Paula estava grávida de Mathilde, em 1906, nascida 18 dias antes da morte da mãe, de embolia cardíaca. Trata-se de uma pintura corajosa não só por seu despojamento como pelas pinceladas econômicas que aprendeu com os fauves em sua última temporada francesa. Filha de uma família burguesa de Bremen, Paula teve boa instrução artística, estudando em Berlim e Paris. Sua formação, porém, não se deve apenas às inúmeras visitas aos museus das duas metrópoles, onde seu olhar foi atraído para as gravuras de Dürer e as pinturas dos impressionistas. Lembrado com menos freqüência, mas ainda assim uma grande influência de Paula foi o francês Jean-François Millet, que retratou a vida camponesa, pintando cenas comoventes que impressionaram Van Gogh. A exemplo de Millet e ao contrário dos outros artistas da comunidade de Worpswede, que preferiam retratar a paisagem local, Paula Modersohn-Becker voltou seus olhos para os camponeses. Não era só a paisagem que precisava ser resumida a linhas essenciais, mas os rostos desses pobres que se curvavam com sabedoria ao destino. Hoje, quando se olha para um retrato ou uma das figuras nuas e despojadas de Lucien Freud, é impossível não evocar os retratos da pintora alemã, gente com olhos perdidos no nada. Mesmo integrada à comunidade de Worpswede, ela não compartilhou a mesma visão plácida da paisagem local, marcando no rosto de seus personagens a inquietação de alguém que precisa do ar urbano para respirar. Quem mais chegou perto de perceber essa angústia foi Rainer Maria Rilke, que escreveu, um ano após a morte da artista, o poema Réquiem para Uma Amiga (1908). Tinha de ser mesmo um poeta para entender a inquieta natureza de Paula Modersohn-Becker. Serviço Primeiro Expressionismo Alemão: Paula Modersohn-Becker e os Artistas de Worpswede - Desenhos e Gravuras (1895 -1906). Masp. Avenida Paulista, 1.578, tel. 3251-5644. 3.ª a dom., 11 h/18 h (5.ª, até 20 h).R$ 15 (3.ª, grátis). Até 5/10. Abertura hoje, às 19 horas, para convidados

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