A inovação vem com pé na tradição

No feriado, projeto Rumos Itaú Cultural vai da oralidade religiosa ao experimento

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Por Francisco Quinteiro Pires
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No feriado de Corpus Christi, as sonoridades da tradição e da experimentação vão se encontrar - e em oito apresentações, duas por dia. Esse é o número de atrações do ciclo atual da terceira edição do projeto Rumos Itaú Cultural Música, que selecionou 50 artistas e cuja temporada em São Paulo vai até julho. O destaque do feriado prolongado é o diálogo entre as matrizes musicais brasileiras e o desejo de experimentação, em que têm vez as inovações eletrônicas. Dona Maria do Horto e o grupo Axial abrem a série na Sala Itaú Cultural hoje, a partir das 19h30. Todas as apresentações são gratuitas e gravadas para o lançamento de uma coleção de DVDs no ano que vem. A voz de Dona Maria é uma guardiã da tradição oral religiosa. Lavadeira em Juazeiro do Norte (CE), ela canta benditos e histórias envolvendo Padre Cícero, o padroeiro da sua cidade natal. Sua carreira se iniciou em 2003, quando atuou com a Orquestra de Rabecas Cego Oliveira. Depois de Dona Maria, entra em cena o grupo Axial. Com Senóide, trabalho recém-lançado, o agora quarteto - Sandra Ximenez (vocal e teclado), Felipe Julián (baixo, eletrônicos e teclado), Leonardo Muniz (saxofone, clarinetes e eletrônicos) e Yvo Ursini (guitarra e eletrônicos) - mostra uma musicalidade mais dinâmica, em que as batidas dançantes dão o ritmo ao lado dos elementos eletroacústicos, na comparação com CD de estréia: Axial (2004). Em Senóide, Axial visita a tradição religiosa, dando nova roupagem a três músicas de domínio público em homenagem aos orixás Exu, Oxumaré e Ossaim. "Gosto de cantar em outras línguas, como o crioulo do Haiti, por causa do som, que não precisa ter um sentido explícito, imediato", diz Sandra. A literatura aparece em trechos de poemas de Manoel de Barros, Mário de Andrade e João Cabral de Melo Neto que foram musicados. Senóide é a onda sonora mais primitiva, básica, explica Sandra. É essa ancestralidade que interessa ao grupo Axial que, ao pesquisar na tradição, faz dela o seu alimento para expandir novos horizontes. A expansão de possibilidades sonoras em Senóide poderá ser mais bem ouvida no palco, quando Felipe Julián vai fazer ao vivo as bases no computador, sem as limitações de estúdio. Amanhã, às 19h30, é a vez do Reisado Encanto das Caraíbas, de Pernambuco, e do Duo GisBranco, do Rio. O nome do grupo pernambucano foi emprestado do nome do povoado situado na zona rural de Arcoverde, no norte do Estado. O Reisado, com 32 integrantes, reúne remanescentes de famílias ligadas à arte musical, como tocadores de viola, sanfona, pífano e zabumba. Suas cantigas remetem a temas sociais e políticos dos anos 30 e 40, do bando de Lampião à 2ª Guerra Mundial. O Duo GisBranco, formado por Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco, sobe ao palco para mostrar as soluções que dois pianos podem criar na busca de uma expressão própria. As pianistas misturam ritmos brasileiros aos latinos e ao jazz. "Dois pianos são uma coisa diferente, há pouquíssimos duos de piano na história da música brasileira", diz Claudia. Elas visitam um repertório de referência - Moacir Santos, Ernesto Nazareth, Guinga, Egberto Gismonti - para procurar "uma linguagem pianística única". No sábado, às 19h30, a paraibana Cátia de França une seu trabalho de compositora, cuja fonte é a literatura, a um piano, um violão, uma sanfona e à percussão. Ela faz referência a Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Manoel de Barros, entre outros. Aos 35 anos de carreira, vai apresentar parte do repertório dos seis discos já lançados, sendo Hóspede da Natureza (2007) o mais recente. Parceira de Antônio Nóbrega, Silvério Pessoa e Siba, a percussionista e cantora pernambucana Alessandra Leão revela as influências que as brincadeiras de rua e de carnaval têm no seu som. Alessandra idealizou o projeto Folia de Santo, cuja proposta é criar composições a partir das tradições ligadas a um catolicismo de conteúdo popular. Uma das fundadoras do grupo Comadre Fulozinha, ela também apresenta o seu trabalho autoral, iniciado no CD Brinquedo de Tambor (2006). Do cavalo-marinho ao afoxé, a rica cultura de Pernambuco cadencia uma apresentação lúdica. A banda Soda Acústica e o cantor Wado fecham o ciclo no domingo, sempre às 19h30. Vinda de Rondônia, Soda Acústica é formada por quatro universitários oriundos do curso de letras. Rinaldo Santos, André Torres, Anderson Silva e Bira Lourenço fazem a formação com violão, guitarra, baixo e bateria. Em busca de uma autenticidade, a proposta do Soda Acústica é criar um som experimental, cujas composições tratam de temas cotidianos. Catarinense de nascimento, mas alagoano de coração, Wado passou a se destacar a partir de 2000, quando deixou o grupo Santo Samba. Lançou três discos baseados na efervescência musical das periferias dos países pobres. Essa matéria-prima reelaborada estará no palco. Serviço Rumos Música. Itaú Cultural (255 lugs.). Avenida Paulista, 149, tel. 2168-1776, metrô Brigadeiro. Hoje a dom., 19h30. Grátis (retirar ingressos com meia hora de antecedência)

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