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A forma perfeita de Albers

Duas exposições do pintor alemão mostram como o artista, usando apenas uma figura geométrica e variações cromáticas, deixou sua marca na história da arte

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

O crítico alemão Karl Ruhrberg, morto há dois anos, definiu as pinturas da série Homenagem ao Quadrado, de seu conterrâneo Josef Albers (1888-1976), como armadilhas em que o espectador fica tentado a cair. De fato, a instabilidade provocada pelas cores fortes de seus quadrados é grande o bastante para tornar irrefutável sua tese, a de que nossa percepção falha por não haver solução definitiva para o mistério cromático, apenas mudança permanente e variações infinitas de um mesmo tema, como observou Ruhrberg. Resistir ou sucumbir à "armadilha"? A resposta de quem gosta de arte vem por meio do segundo verbo. A influência de Albers, um dos pioneiros da abstração geométrica da escola alemã Bauhaus, mestre de pintores, arquitetos e designers, é incontornável, como provam duas exposições dedicadas ao pintor: a primeira, Cor e Luz: Josef Albers, a partir de quinta, no Instituto Tomie Ohtake, reúne um conjunto histórico de pinturas de sua série Homenagem ao Quadrado; a segunda, Viagens pela América Latina, que será aberta sábado, na Pinacoteca do Estado, apresenta 230 trabalhos de Albers e de sua mulher Anni, que mostram como as culturas pré-colombianas influenciaram a produção artística do casal. A exposição do Instituto Tomie Ohtake reúne obras do acervo da Fundação Josef e Anni Albers de Connecticut (EUA) e outras instituições. A mostra da Pinacoteca tem 350 trabalhos do acervo da fundação que leva o nome dos Albers, dentre eles os 230 trabalhos anteriormente citados (pinturas, desenhos, litografias, estudos em guache, fotocolagens, maquetes, peças de tecelagem e tapeçarias). Anni Albers, embora uma presença discreta, foi também artista, a responsável indireta pelo advento da série Homenagem ao Quadrado. Foi ela quem teve a iniciativa de empreender viagens ao México, Peru, Chile e Cuba entre 1934 e 1967, despertando a atenção do marido para o forte cromatismo dos latinos, segundo a curadora da mostra e da Fundação Josef e Anni Albers, Brenda Danilowitz. A série foi iniciada em 1950 e durou até a morte do artista, em 1976 - mais de mil pinturas e centenas de gravuras. Basicamente, trata-se de diferentes combinações de quadrados inscritos em outros quadrados. Nela, a figura geométrica se expande, se retrai e até parece se desmaterializar quando em confronto com a cor cinza. Albers não formulou suas variações baseado num sistema preconcebido ou numa teoria a priori sobre a instabilidade cromática. Sua economia de meios e precisão servem ao propósito de investigar a natureza da cor e colocar nosso olho à prova. Albers, sempre um mestre, tinha consciência que aprendia mais que seus alunos a cada exercício pictórico da série Homenagem ao Quadrado, que elege a extrema redução da forma e uma sintaxe geométrica despojada para provar que as coisas mais elementares são justamente as mais difíceis de explicar, como também concluiu Ruhrberg. O crítico não teve alternativa além de recorrer à filosofia de Wittgenstein para entender o que significa a "armadilha" de Albers. Se a atitude do pensador austríaco foi a de encarar a filosofia como uma atividade em que a linguagem serve de ferramenta para entender a realidade, a de Albers foi a de rejeitar uma teoria para explicar a natureza da cor. Era preciso pintar infinitas variações cromáticas para concluir que nossa percepção se aprimora a cada novo olhar, admitindo que o espectador frente à tela respeite a autonomia das cores e não caia na tentação do jogo de associações simbólicas. No entanto, a curadora da mostra Homenagem ao Quadrado, Brenda Danilowitz, desconfia que por trás dessa atitude pedagógica de "ensinar a ver a cor", Albers queria levar o espectador a refletir sobre transcendência. Alguns títulos das obras, cifrados, revelariam, segundo ela, uma preocupação espiritual. É como se a cor pudesse nos salvar. E talvez o faça. Serviço Cor e Luz: Josef Albers - Homenagem ao Quadrado. Inst. Tomie Ohtake. Av. Faria Lima, 201, 2245-1900. De 3.ª a dom., 11 h/20 h. Grátis. Até 1/3. Abertura quinta Anni e Josef Albers. Pinacoteca. Praça da Luz, 2. De 3.ª a dom., 10 h/18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 8/3. Abertura sáb.

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