A exposição ‘O Triunfo da Cor’ tem pós-impressionistas com pouco em comum

Espírito moderno nasce com as comunidades de artistas franceses nas duas décadas finais do século 19

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Pós-impressionismo, termo cunhado em 1910 pelo professor de arte inglês Roger Fry, é quase tão vago como pós-moderno, que não quer dizer muita coisa. Em todo caso, num lance comercial que deu resultado, Fry assim batizou a exposição Manet e os Pós-impressionistas que organizou na Grafton Galleries de Londres, aberta em 1910, aproveitando a ascensão dos preços dos artistas franceses atuantes na década de 80 do século 19, como Gauguin e Cézanne. O termo pegou e os marchands franceses, loucos para vender seus estoques, o aceitaram de bom grado. Até os museus franceses passaram a agrupar esses artistas sob essa denominação. E é assim que eles chegam ao Brasil, a partir de quarta-feira, 4, na exposição O Triunfo da Cor: Pós-Impressionismo, que reúne obras do Museu d’Orsay e do Museu de l’Orangerie.

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A mostra tem como curadores o presidente do Museu d’Orsay, Guy Cogeval, e Isabelle Cahn, da mesma instituição, além do espanhol Pablo Jiménez Burillo, da Fundación Mapfre, um dos seus patrocinadores. Ela apresenta 75 obras de 32 artistas considerados expoentes do pós-impressionismo, como Cézanne e Gauguin, entre outros. Dividida em quatro módulos, a exposição recompõe os principais núcleos atuantes na época em que Van Gogh desembarcou em Paris, em 1886, atraído pelo movimento de renovação da pintura após o ocaso impressionista. Nesse ano, entre os artistas parisienses, já circulava o termo neoimpressionista para definir esses filhos rebeldes que não mais se identificavam com o impressionismo, entre eles pontilhistas como Seurat e Signac, incluídos na mostra do CCBB, que segue em julho para o Rio de Janeiro.

A exposição complementa o grande sucesso de público que foi a mostra Impressionismo: Paris e a Modernidade, realizada há quatro anos no mesmo CCBB. Consagrada como a terceira mostra mais visitada do mundo em 2012, ela recorria ao acervo do mesmo Museu d’Orsay, a maior coleção de impressionistas da França. Na atual, os nomes são igualmente atraentes, embora as obras talvez não tenham tanto apelo popular.

Ainda que agrupados como pós-impressionistas, há pouco em comum entre artistas como Cézanne e Gauguin, ou entre Seurat e Van Gogh. Cada um deles seguiu um caminho diferente, buscando soluções particulares para um problema criado pela geração dos impressionistas. O que se tem na mostra do CCBB, portanto, é uma vanguarda dividida, ativa numa época de radicalização e pouco diálogo entre os integrantes da exposição.

Em A Cor Científica, primeiro módulo da exposição dedicada ao pós-impressionismo pelo CCBB, que será aberta na quarta-feira, dia 4, estão agrupados artistas influenciados pelos estudos do químico Michel Chevreul sobre a técnica de pontos justapostos de cores primárias adotada pelos neoimpressionistas – também conhecida como pontilhismo, que teve em Seurat sua referência máxima e delegava ao espectador a tarefa de reconstruir o olhar do pintor. Van Gogh chegou a Paris justamente quando Seurat promovia a decomposição prismática da cor, passando a usar uma paleta mais viva. Coincidentemente, 1886, ano de seu desembarque, marca também o da última exposição dos impressionistas.

Cézanne, desde 1877, vinha recusando sistematicamente convites para participar de mostras impressionistas, optando por uma metodologia mais sólida da construção da imagem. O metódico Seurat anunciava uma paleta também mais rigorosa – em certo sentido, anti-impressionista – e uma pincelada fragmentada, não desprezando as lições da Academia (Degas o chamava de “tabelião” por seu apego ao desenho rigoroso).

No segundo módulo, o rigor cede lugar ao vulcânico temperamento de Gauguin e à liberdade da escola de Pont-Aven, na Bretanha. Gauguin percebia que a atividade solitária de Cézanne “escondia” um método de trabalho ao qual ele se esforçava para ter acesso. Cézanne considerava Gauguin oportunista e mantinha cautelosa distância do pintor. Seurat, apesar do crédito num sistema codificado de pintura, como Gauguin, não tinha melhor opinião sobre ele. O fato é que Gauguin logo percebeu que teria de se afastar do meio parisiense para criar. Primeiro foi à Bretanha, onde registrou as diferenças culturais e religiosas dos bretões. Em seguida, navegou pelos Mares do Sul em busca das culturas “primitivas”. É essa pintura, impregnada de blocos de cor sólidos como os de Cézanne que o CCBB mostra, ao lado das telas de Émile Bernard, que buscou sua orientação. A arte sintética do último também está no segundo módulo da exposição.

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A italiana, de Van Gogh Foto: DIVULGAÇÃO

No terceiro módulo, dedicado aos Nabis, estão reunidas telas de Maurice Denis, Vuillard, Maillol e Vallotton, representantes desse grupo de pintores que, em 1890, sob a inspiração de Gauguin, é marcado pelo uso expressivo da cor. Nabis, em hebraico, significa profetas – e é assim que eles se denominaram por julgar que anunciavam uma nova era para a pintura, tendo Denis como o profeta maior, teórico do movimento que defendia a essência espiritual da arte.

Finalmente, no quarto módulo, A Cor em Liberdade, os curadores agruparam artistas que se afastaram dos simbolistas, abrindo caminho para a autonomia da cor, o que, de certo modo, prenuncia o formalismo modernista. Cézanne vai para a Provence, Gauguin vai para o Taiti, e o que sê nesse núcleo derradeiro é o fim das comunidades, como a dos Nabis, e o triunfo da individualidade. Já não há mais disputa entre Gauguin e Seurat pelo protagonismo, pela liderança da vanguarda parisiense. Sérusier, que poderia ser seu substituto, permaneceu na Bretanha em vez de assumir esse papel, o que determinou a extinção dos Nabis. Um extremo desencanto marca, então, a agonia do pós-impressionismo. Tudo tem fim.

O TRIUNFO DA COR: O PÓS-IMPRESSIONISMO. CCBB. R. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. 4ª a 2ª, 9h/21h. Grátis. Abertura quarta. Até 7/7.

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