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A estética de choque da Festa da Menina Morta, de Nachtergaele

Longa de estréia do ator retrata um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas

Por Luiz Carlos Merten e Cannes
Atualização:

Matheus Nachtergaele estava feliz da vida após a exibição de A Festa da Menina Morta na quarta-feira à tarde. O filme foi bem recebido na mostra Un Certain Regard. Matheus concorre a dois prêmios, o da própria seção em que passa seu filme e também a Caméra d''Or, para o melhor filme de diretor estreante. O problema é que o repórter do Estado só conseguiu assistir à Menina Morta no fim da tarde de quinta-feira e, desde então, o diretor revelou-se incomunicável. Ora estava em Juan les Pins, ora em Nice, com o celular sempre desligado. Na entrevista que deu ao jornal, quando seu filme foi confirmado na seleção oficial, Matheus Nachtergaele disse que A Festa da Menina Morta era ''radical''. É um pouco mais do que isso. O filme nasceu do encontro de um desejo de Matheus com a comunidade que o diretor estreante descobriu, ao filmar na Amazônia. O culto da menina morta, ele já conhecia desde que filmou O Auto da Compadecida na Paraíba. Basicamente, a menina é morta e um cachorro leva na boca seu vestido, que deposita nas mãos do irmão da garota. Ele vira o ''santinho'', mas não é nada disso, e aí entrou o imaginário de Matheus, enquanto ''autor''. Amante do próprio pai, caprichoso, histérico, Santinho transforma-se no depositário das revelações da mártir, na festa que se realiza todo ano. O filme narra os preparativos e as conseqüências da festa, propriamente dita. Embora cronológica, a narrativa não é propriamente linear, no sentido clássico da causa e efeito. São cenas soltas, aqui e ali, e que vão traçando o retrato das personagens. Uma coisa é certa - a reaparição da mãe desestabiliza Santinho e o que deveria ser uma celebração religiosa detona os conflitos, que implodem o personagem. É muito curioso assistir a A Festa da Menina Morta e ver Daniel de Oliveira interpretar - como Santinho - o próprio diretor Matheus Nachtergaele. Seria um papel perfeito para ele. Estreante, Matheus preferiu concentrar-se na realização. Com a colaboração do diretor de fotografia Lula Carvalho, ele cria fragmentos de um filme que poderia ser grande - ou, pelo menos, melhor do que realmente é. O problema de A Festa da Menina Morta é que o filme é muito desequilibrado. O conceito de ''forte'' do diretor poderia muito bem ser definido como excessivo. Menina Morta propõe uma estética de choque que muitos críticos brasileiros, aqui em Cannes, compararam à de Cláudio Assis. A questão é: qual Cláudio Assis? Pois a verdade é que o diretor pernambucano evoluiu (ou amadureceu) extraordinariamente entre Amarelo Manga e O Baixio das Bestas. Embora o universo da Menina Morta pareça mais próximo do Baixio - um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas -, Matheus ainda está no Amarelo Manga. Seu filme impressiona, desconcerta, mas é difícil fechar o arco para saber, afinal, o que ele quis - ou quer - dizer. O sexo entre pai e filho, a matança do porco - que não é vista, mas cujo som acompanha o espectador muito tempo após a projeção -, o descontrole do Santinho, a devoção religiosa, tudo fica no limite do excessivo. Mas há momentos redentores. Um dos mais belos é a dança, meio hip-hop, do mestiço índio Douglas, que Matheus descobriu na própria comunidade ribeirinha em que filmou. Toda a interpretação é visceral, misturando profissionais (Daniel de Oliveira, Dira Paes, Jackson Antunes, Cássia Kiss e Juliano Cazarré) com os locais. O próprio Daniel canta o tema e você é capaz de jurar que é Caetano Veloso.

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