À espera do Brasil

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Luz, câmera, ação! A maratona vai recomeçar e, desta vez, logo no primeiro dia, o 61º Festival Internacional de Cannes, o mais importante evento de cinema do mundo, estende o tapete vermelho para o... Brasil. OK, Blindness (Ensaio sobre a Cegueira) é falado em inglês, o Brasil, por meio da O2, é apenas produtor associado com o Canadá e o Japão, que são sócios majoritários, mas o diretor é brasileiro, Fernando Meirelles, e isso faz toda a diferença. Meirelles conseguiu, inclusive, que a sofisticada mixagem de som de Blindness fosse feita num laboratório de São Paulo - Álamo -, que foi especialmente (re)aparelhado para isso. Já virou lugar-comum lembrar, a cada ano, que Cannes é um retumbante evento midiático. Sem contar os milhares de compradores, vendedores ou simplesmente ''olheiros'' credenciados no mercado (o Marché des Films), o número de artistas e técnicos supera o de atletas inscritos para a Olimpíada de Pequim. O número de inscrições, entre críticos, repórteres e fotógrafos, mais pessoal de TV e internet, atingiu, no ano passado, o fantástico número de 4,7 mil jornalistas de todo o mundo - que deve ser superado para a cobertura deste 61º festival. Passado o suspense da primeira lista da seleção oficial - que inclui a competição e a mostra Un Certain Regard -, Blindness não apenas estará na Croisette como foi o escolhido para a abertura. Fernando Meirelles deve pisar hoje no tapete vermelho com seu elenco internacional - Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Alice Braga. Há grande expectativa por Blindness. O romance do escritor português José Saramago usa a cegueira para tecer uma metáfora sobre o mundo que se recusa a ver a loucura e o caos em que o consumismo e a degradação do meio ambiente estão nos atirando, com conseqüências seriíssimas para o futuro da humanidade. É outra espécie de violência, distinta daquela que Fernando Meirelles enfocou em Cidade de Deus, com o qual pisou pela primeira vez no tapete de Cannes. Visualmente, o filme vai surpreender, pois o diretor e seu grande fotógrafo, César Charlone, se valeram da cegueira branca descrita pelo autor do Prêmio Nobel de Literatura para fazer o contrário do que se espera de um filme sobre a cegueira - em vez de áreas de sombras, eles criam imagens saturadas de luz. A seleção que o diretor artístico Thiérry Frémaux preparou para este ano reúne grandes nomes do cinema mundial, além de representantes do cinema de autor. Clint Eastwood, Jia Zhang-Ke, Lucrecia Martel, Paolo Sorrentino, Arnaud Desplechin, Philippe Garrell, os irmãos Dardenne, James Gray, Walter Salles e Pablo Trapero, além do próprio Meirelles, estão na disputa pela cobiçada Palma de Ouro. É um ano glorioso para o cinema latino-americano - dois filmes da Argentina (La Mujer Sin Cabeza e Leonera), três diretores do Brasil (Meirelles e Walter Salles e Daniela Thomas, que co-dirigem Linha de Passe, no sábado). A lista dos concorrentes, por país, está nesta página e ainda falta citar os que vão passar, fora de concurso, no Grand Théâtre Lumière, templo do cinema mundial, porque abriga, com a mesma pompa e reverência, megaproduções de Hollywood e pequenos filmes de autor de cinematografias obscuras. Este ano, os filmes fora de competição incluem desde o esperadíssimo Indiana Jones e a Caveira de Cristal, no domingo, em presenças do diretor Steven Spielberg, do produtor George Lucas e dos astros Harrison Ford e Shia Labeouf, o Maradona de Emir Kusturica (na terça), o novo Woody Allen (Vicky Cristine Barcelona) e até uma fantasia de artes marciais que promete arrebentar nas bilheterias (Kung Fu Panda, de Mark Osborne e John Stevenson). É a lição de Cannes - o festival não seria o portentoso evento que é, se não se beneficiasse do aporte que certos blockbusters lhe trazem, em termos de promoção. E, depois, quem foi que disse que os cinéfilos - desde que não sejam pobres de espírito - não estão igualmente loucos para ver tanto novo Indiana Jones quanto o novo filme dos Dardennes (Le Silence de Lorna)? Mais do que em qualquer ano recente, o Brasil chega a Cannes com força total. Além de Linha de Passe, que compete pela bandeira do Brasil, a seleção oficial exibe também A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele, na mostra Um Certo Olhar e mais algumas atrações que não deverão passar em branco. O documentário O Mistério do Samba, de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, foi selecionado para a mostra Cinéma à la Plage, que apresenta filmes à noite, ao ar livre, na praia colada ao calçadão conhecido como ''Croisette'', e os curtas Areia, de Caetano Gotardo, e A Espera, de Fernanda Teixeira, integram a programação de outra mostra, a da Semana da Crítica. Um terceiro curta, Muro, de Tião, Leonardo Lacca e Raul Luna, foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores e mais um - o quarto - O Som e o Resto, de André Lavaquial, da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, do Rio, compete na mostra da Cinéfondation. Além dos elencos nacionais de Linha de Passe e da Menina Morta, Alice Braga participará da ''montée des marches'' (a subida da escadaria do Palais) por Blindness, e Rodrigo Santoro estará junto às equipes dos dois filmes dos quais participa - Che e Leonera. O júri que vai atribuir a Palma de Ouro do 61º festival será presidido pelo ator e diretor norte-americano Sean Penn. Entre os demais jurados estão atores e atrizes como Jeanne Balibar (da França), Sérgio Castelitto (Itália) e Natalie Portman (EUA), mais os diretores Alfonso Cuarón (do México), Apichatpong Weerasethakul (Tailândia), Rachid Bouchareb (França, ascendência algeriana) e Marjane Satrapi (Irã). O júri de Un Certain Regard, mostra na qual estará competindo Matheus Nachtergaele, será presidido por Fatih Akin e Bruno Dumont e atribuirá a Caméra d''Or, prêmio destinado a uma obra de diretor estreante (Nachtergaele, de novo, está habilitado para concorrer). Não faltará uma sessão-homenagem ao centenário do cineasta português Manoel de Oliveira, na segunda-feiraa à tarde. E, como todo ano, a ''lição de cinema'' deverá atrair um público numeroso e entusiasta, formado principalmente por jovens interessados em ouvir grandes diretores falarem de seus métodos (e preferências). Este ano, quem dá a ''leçon de cinéma'' é Quentin Tarantino, cultuadíssimo na Croisette, onde já ganhou a Palma de Ouro (por Pulp Fiction - Tempo de Violência) e presidiu o júri. E ainda: a mostra Cannes Classics, que exibe filmes restaurados, vai homenagear Maio de 68 - lembrando o festival que não houve (leia texto ao lado). Na abertura, Peppermint Frappé, de Carlos Saura, mas sua pérola será a versão restaurada de Lola Montès, de Max Ophuls, supervisionada pelo filho do grande diretor, Marcel Ophuls. O 61.º Festival de Cannes encerra-se no domingo, dia 25. Competição ADORATION, de Atom Egoyan (Canadá) BLINDNESS, de Fernando Meirelles (Canadá/Japão/Brasil) CHE, de Steven Soderbergh (Estados Unidos) DELTA, de Kornel Mundruczo (Hungria, Alemanha) ENTRE LES MURS, de Laurent Cantet (França) ER SHI SI CHENG JI, de Jia Zhang-ke (China) GOMORRA, de Matteo Garrone (Itália) IL DIVO, Pailo Sorrentino (Itália) L''ÉCHANGE, de Clint Eastwood (Estados Unidos) LA FRONTIÈRE DE L''AUBE, de Philippe Garrel (França) LA MUJER SIN CABEZA, de Lucrecia Martel (Argentina) LE SILENCE DE LORNA, de Jen-Pierre e Luc Dardenne (Bélgica) LEONERA, de Pablo Trapero (Argentina/Brasil) LINHA DE PASSE, de Walter Salles e Daniela Thomas (Brasil) MY MAGIC, de Eric Khoo (Cingapura) PALERMO SHOOTING, de Wim Wenders (Alemanha/Itália/Estados Unidos) SERBIS, de Brillante Mendoza (Filipinas) SYNECDOCHE NEW YORK, de Charlie Kaufman (EUA) TWO LOVERS, de James Gray (Estados Unidos) UÇ MAYMUN (THE MONKEYS), de Nuri Bilge Ceylan (Turquia) UN CONTE DE NOEL, de Arnaud Desplechin (França) WALTZ WITH BASHIR, de Ari Folman (Israel, França, Alemanha)

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