A dor enfeita a árvore de Selton Mello

Ao contar uma história de família, Feliz Natal expõe a hipocrisia social da festa, que pode ter mais frustração do que alegria

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ao lembrar do filme Lavoura Arcaica, o ator Selton Mello diz que nem é preciso destacar muito como o filme de Luiz Fernando Carvalho foi importante para ele e para o ator Leonardo Medeiros, o Leo. Selton fazia o irmão de Leo, na história adaptada do romance de Raduan Nassar. Lula Carvalho trabalhava pela primeira vez no cinema (e com seu pai, o grande Walter Carvalho). Feliz Natal conta agora outra história de família, passando essa sensação de deslocamento que aflige Selton e expondo a hipocrisia social que sempre o horrorizou na chamada ?festa da cristandade?. Leonardo Medeiros é o protagonista, Selton dirige e Lula Carvalho é o diretor de fotografia. A influência de Raduan pode não transparecer na história, mas é permanente na visão da família (e da própria arte) do diretor. "Leo faz o André que volta e eu cheguei a escrever no fim do roteiro - Estamos sempre indo para casa." A sombra de Luiz Fernando Carvalho não é menos forte. "Tenho a impressão que o filme é o meu telegrama para o Luiz Fernando, a volta do filho pródigo." Independentemente de gostar ou não - o filme é muito duro, não alivia nada para o espectador e, à força de tanto querer ser autoral, termina sendo um tanto previsível, na medida em que o espectador intui o que vai ocorrer com cada uma daquelas figuras, antes mesmo que as coisas se passem -, Feliz Natal foi um filme muito pensado e elaborado. No começo, a câmera parece grudada nos personagens, como se o objetivo fosse fazer com que o público tocasse todas aquelas cicatrizes, sentisse todas as dores. "Realmente, exacerbamos", diz Selton e, se ele coloca no plural, é porque foi um processo no qual Lula Carvalho - também fotógrafo de A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele, outro radical exercício de autor, e os dois atores estiveram juntos no elenco de O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, como você deve lembrar-se - foi decisivo. "Estávamos numa fase de muita admiração pelo cinema de John Cassavetes, que também grudava a câmera no ator, como se nada mais importasse." Cassavetes, portanto, foi uma das fontes de influência sobre Selton Mello como diretor. Pode até parecer pretensioso, mas Harold Pinter foi outra. "Havia feito algumas peças do Pinter, O Zelador e Luz da Noite, e sempre me impressionou muito o fato de que, nas peças dele, a atmosfera é mais importante do que aquilo que as pessoas dizem." Talvez por isso, o roteiro de Feliz Natal, que Selton escreveu em parceria com Marcelo Vindicatto, seja muito amarrado, em termos de evolução dramática e construção de personagens. Mesmo assim, Selton preferiu deixar os atores livres para improvisar os diálogos. Foi um processo ?muito bacana?, num set em que todo mundo pegava junto, ?100% astralizado?, como diz o diretor. Mesmo assim, surgiu toda aquela polêmica por causa do nu de Graziela Moreto, que incentivou o marido da atriz, Pedro Cardoso, a lançar seu manifesto contra a nudez, cheio de acusações ao comportamento ético dos diretores brasileiros. "Quem me conhece sabe que não sou nenhum aproveitador", Selton encerra o episódio. Você pode até se surpreender, mas ele anuncia um período sabático. Selton vai parar um pouco, desacelerar. "Vou cuidar mais da minha vida, menos dos personagens." Nos últimos anos, ele tem emendado um filme no outro. Como é bom no que faz, as pessoas andam muito satisfeitas - e Meu Nome Não É Johnny, cujo impacto repousa muito sobre o ator, está sendo o maior sucesso do cinema brasileiro neste ano -, mas Selton não está contente. "Eu me escondo muito por trás das máscaras de todos esses personagens. A experiência como diretor revela muito mais quem eu sou, mesmo que o filme não seja autobiográfico. Sou um cara melancólico, essa é a verdade." A parada vai ser temporária, para recarregar baterias, avaliar escolhas. Na volta, uma das prioridades será o teatro. "Ando com saudades do palco", ele diz.

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