A covardia que trava os sentimentos

Os Três Macacos, de Bilge Ceylan, fala dos que não têm a coragem de amar

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Existe, no cinema turco, anterior a Nuri Bilge Ceylan, a figura mítica de Yalmaz Guney. Símbolo do cinema da Turquia, ele virou um feroz oponente do regime, a quem desafiou com ideias e grandes filmes. Preso, escreveu na cadeia e codirigiu de lá, por meio de indicações enviadas a seu assistente, Yol, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 1982. Em 1971, Guney fez um filme chamado Baba, O Pai. É a história de um homem rico rico cujo filho comete um crime e ele paga para que seu funcionário assuma a responsabilidade. Ceylan tomou O Pai como referência para Os Três Macacos, seu novo filme, que estreia hoje. É a história de um político que atropela (e mata) um homem. Seu motorista assume o crime e vai preso, mas enquanto ele está preso, o político e sua mulher têm um affair. O filho descobre. A família desestrutura-se. Assista ao trailer do filme Os Três Macacos é o quinto filme de Ceylan. Para o espectador brasileiro, ele é conhecido principalmente pelo anterior, Climates. No Festival de Cannes do ano passado, Ceylan recebeu o prêmio de direção, outorgado pelo júri presidido por Sean Penn. Os Três Macacos é um filme muito bem dirigido, mas de alguma forma marca um momento de interrogação - de crise? - na obra do autor. Ele se preocupa demais em imprimir sua autoria e o filme, de alguma forma, se ressente disso. O próprio diretor concorda que seu filme é uma parábola sobre a covardia. Seus personagens querem ter a coragem de amar, de dizer a verdade, mas são covardes, escondem seus sentimentos e isso os diminui, aos olhos uns dos outros. Ao mesmo tempo que eles se dilaceram, a natureza participa do drama, dá-lhe uma dimensão cósmica. Ceylan ama esses céus carregados, as nuvens pesadas, o vento e a chuva, como se a própria natureza participasse da tragédia humana. Mas isso é tão evidente em Os Três Macacos que o recurso começa a parecer artificial - um artifício de mise-en-scène. Parte desses céus carregados resultam de efeitos digitalizados, e por isso mesmo muitos críticos já começam a reclamar do que lhes parece puro exercício de estilo. O que ajuda é que Ceylan é um grande diretor de atores. E é por meio da epiderme de seu quarteto dramático que ele termina revelando o verdadeiro tema de Os Três Macacos - a casa. Face à fragilidade do humano perante a natureza, dos homens e mulheres incapazes de controlar seus sentimentos, a casa vira um duplo abrigo. A casa e a família, que os personagens do diretor querem, desesperadamente, preservar, mas há um alto preço a pagar por isso. Em Cannes, comentando o sofisticado tratamento sonoro de Os Três Macacos - o filme foi finalizado na França -, o diretor revelou que Robert Bresson é um de seus mestres. Com Bresson, ele aprendeu que, para contar algumas coisas, a imagem é inútil, basta o som. Os Três Macacos não tem música, exceto a canção no celular. O recurso não aumenta apenas a voltagem dramática. A canção é de amor, melancólica. Mais um ponto na elaborada direção de Os Três Macacos. Serviço Os Três Macacos (Three Monkeys, Turquia/2008, 109 min.) - Drama. Dir. Nuri Bilge Ceylan. Cotação: Bom

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