A ''bossa'' é que faz toda a diferença

Lá no ?estrangeiro?, seu chica-chica-bum e sua contagiante alegria nas marchinhas e sambas encantavam todos os públicos

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Por Zuza Homem de Mello
Atualização:

A bossa é a fonte que faz a diferença da nossa canção popular para quase todas as demais. Assim como João Gilberto é efígie da bossa nova, Carmen era da bossa. Foi o que encheu os olhos do seu descobridor Josué de Barros, do compositor Joubert de Carvalho, do empresário americano Lee Shubert que a levou para a América do Norte mesmo tendo de aceitar o contrapeso do Bando da Lua. Lá chegando Carmen com seu inglês arrevesado encantou os "horn hill corn hill" habituados à perfeição visual e sonora da Broadway. Por quê? Porque, além da exótica figura esfuziante em cena, a voz de Carmen tinha a luminosidade que projetava contagiante alegria nas marchinhas e nos sambas ingênuos na letra e na melodia. Assim como no Brasil iam direto para a boca do povo, os chica-chica-bum foram adotados. O south american way. Da mesma forma como criara uma fantasia no imaginário dos brasileiros e argentinos que a assistiram nos anos 1930, Carmen foi consagrada como uma bombshell entre os ianques. Foi pioneira ao ensinar-lhes a bossa, o jeitinho brasileiro, a solução alegre e surpreendente que atraiu os mais sequiosos em ir um pouco além do que sabiam sobre aquele povo diferente south of the border. Com Carmen, a bossa começa a vir à tona na música brasileira, a bossa de Lamartine Babo em Moleque Indigesto, de Assis Valente em Camisa Listrada, de André Filho em Bamboleô, a bossa de Vicente Paiva em Diz Que Tem, de Ary Barroso em No Tabuleiro da Baiana, a bossa de Dorival Caymmi em O Que É Que a Baiana Tem. Com a dose de malícia que injetava nos versos, com a graça que concebia na melodia, ela havia moldado seu estilo notável. O historiador Jairo Severiano acerta duas vezes quando define esse estilo como ingênuo e sensual. Se a canção era ingênua, Carmen a incrementava com sua sensualidade, se maliciosa, trapaceava com falsa ingenuidade. Carmen é dos que dão vida à música, como Bessie Smith, Edith Piaf, Ray Charles, como Elis Regina, Bola de Nieve, Loretta Lynn, como João Gilberto e não muitos mais. Carmen Miranda fazia viver uma canção. Zuza Homem de Mello é musicólogo, jornalista, escritor e produtor

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