3 Tempos para montar álbum do corpo feminino

Espetáculo-solo de Juliana Moraes parte de intensas pesquisas de imagens de mulheres publicadas em revistas femininas e em filmes pornôs

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Por Crítica Helena Katz
Atualização:

O corpo trabalhado como imagem. Embora esteja próximo da plateia, porque se apresenta ao vivo em um espaço não dividido por um palco, produz um estranhamento, como se o estivéssemos vendo através do recorte de uma câmera. Aos poucos, vai ficando claro que ele parece entender que o movimento nada mais é do que um fermento para fabricar poses. Movimento enquanto uma ação que conduz o corpo de uma pose a outra. Talvez essa possa ser tomada como uma das mais fortes características na produção de Juliana Moraes, uma vez que não está presente apenas na mais recente, 3 Tempos - Num Quarto Sem Lembrança, que ela apresenta até domingo no 9º andar do Sesc Avenida Paulista Nessa, manifesta-se também outro de seus traços: o interesse pelo universo feminino. Sua trajetória tem sido pavimentada por personagens como Lady MacBeth, de Shakespeare, com a qual compôs o solo Querida Sra. M, em 2002 (que lhe trouxe um prêmio APCA de melhor criadora-intérprete); ou Rachel Whiteread, artista plástica britânica que lhe inspirou em Corpos Partidos (2005); ou a Ofélia shakespeariana, em Querida Senhorita O. (2007); ou Francesca Woodman (1958-1981), artista norte-americana que se autofotografou intensamente entre os 13 e os 22 anos de idade, quando se jogou da janela de seu apartamento, em Nova York - referência de Juliana em Antes da Queda (2008). Curiosamente, chama de Quarto Sem Lembrança a essa nova obra, que está lotada de citações de suas produções anteriores. Dentre elas, pode-se, por exemplo, lembrar que do Antes da Queda, traz para o desejo de fazer o corpo desaparecer como se fosse mais um dentre os objetos. Ela, a cama, os lençóis, a parede/coluna - tudo quer assemelhar-se, tudo quer buscar um mesmo tipo de materialidade. De 2 ½ (2006), transplanta o afeto que passa pelo processo de deslocamento. Lá, na criação que assinou com Anderson Gouvea, os objetos tomavam o lugar dos sujeitos na relação amorosa. Em 3 Tempos - Num Quarto Sem Lembrança, a pornografia que lhe serviu de referência é descosturada de toda e qualquer intensidade de suas enunciações habituais. Transforma-se em uma sequência de croquis indicativos, aproximando-se de uma leitura publicitária das imagens da pornografia com o corpo da mulher. As poses se organizam à sombra de uma coleção de autoreferencialidades. Mas sofrem com a ligeireza com que é tratada a bidimensionalidade que já aparecia em Um Corpo do Qual Se Desconfia, que também compôs com Anderson Gouvêa. Aqui, a bidimensionalidade molda a composição das imagens de modo a se tornar um eixo estruturante, fazendo do novo solo quase um álbum de flagrantes. Surpreende a escolha da relação com a música se dar em uma previsibilidade mimética. Movimentos acompanham a aceleração e a desaceleração dos ritmos, tornando-se praticamente uma ilustração pautada pelo imediatismo. Um certo autofascínio, que se torna um tanto impositivo, embrulha a montagem. Sem se abrir para a transversalidade da questão que escolheu tratar, 3 Tempos - Num Quarto Sem Lembrança é só certeza. O papel que nos resta é o de acompanhar a sucessão de imagens oferecida, "folheando", com nosso olho/câmera, a coleção que vai sendo montada. Uma espécie de eco do que parece ter acontecido com o modo como o material foi pesquisado e, depois, transformado em dança. Serviço 3 Tempos - Num Quarto Sem Lembrança. Sesc Av. Paulista (50 lug.). Avenida Paulista, 119, 3179- 3700. Sáb. e dom., 19 h. R$ 20. Até amanhã

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