Foram momentos belos mas, creio, solenes demais. Um roteiro seguido à risca, com quase nenhuma manifestação pessoal - isso ficou por conta de Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc em São Paulo, e por Luiz Schwarcz, diretor da Companhia das Letras e grande amigo de Saramago. Foram dele, aliás, os momentos mais íntimos, especialmente quando relembrou a chegada de Pilar à sua casa - o casal vinha se hospendando na casa dele nos últimos anos. Luiz disse que foi estranho acompanhar a chegada de Pilar "sem o José" e que ela ficou admirando o jardim, certamente sentindo a falta do companheiro.
A solenidade foi quebrada pelo próprio Saramago, que surgiu em algumas imagens documentário José e Pilar, a estrear no Brasil no dia 5 de novembro. As cenas se intercalavam com a leitura de textos pelas atrizes e ali foi possível relembrar o bom e velho Saramago. Especialmente quando alfinetava o catolicismo, ao dizer que o pecado foi criado como instrumento de dominação: quem peca está, portanto, sujeito à condenação vinda de outro. Ou quando disse que o bom era ser árvore: tira o alimento direto da terra e, no caso das sequóias, vive centenas de anos.
A finitude da vida dominou boa parte da cerimônia, organizada justamente para mostrar que Saramago conquistou a eternidade com sua obra - essa, sim, ficará.
A presença de Chico Buarque causou a tradicional agito. Mesmo alertados da proibição, dezenas de celulares e máquinas foram acionadas e uma chuva de flashes acompanhou a leitura feita por ele. Leitura, aliás, claudicante - se as atrizes se prepararam, ensaiando e marcando o texto para encontrar o tom certo, Chico parecia estar no improviso, muitas vezes perdendo a entonação certa por conta da prosa sem marcações típica de Saramago.
Não fez feio (para a maioria, isso seria impossível). Mas certamente destoou do restantes. O que, pensando bem agora, não foi mal, pois quebrou um pouco o tom respeitoso demais da cerimônia.