Vida, espetáculo da curitibana Cia. Brasileira de Teatro, dirigida por Marcio Abreu, é uma dessas montagens em cartaz na mostra oficial que, de certa forma, coloca em cena uma instalação. O simples fato de fazerem parte de uma banda que ensaia um "número" para uma apresentação cívica justifica a reunião das quatro figuras trazidas ao palco pelos atores Giovana Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini. É possível falar de vida e morte a partir de um encontro assim. E de várias maneiras. Nada é óbvio na expressão cênica que surge a partir daí. Questões prosaicas, pequenos dramas cotidianos e contradições humanas e universais - como o embate entre o desejo de ser livre e o de estar seguro - vêm à tona numa formalização muito elaborada, cheia de humor e surpreendente. Com dramaturgia criada em sala de ensaio pelos atores e com texto final do diretor, o espetáculo não se funda, como esse mote faz parecer, na facilidade da discussão entre amigos, conversa de bar. Os atores quase não dialogam. As conversas se voltam para o espectador, cuja presença é assumida. Contribui para a qualidade do que se faz e diz a matéria-prima com a qual trabalham: a poesia de Leminski, Maiakovski, Beckett, Haroldo de Campos, entre outros grandes autores - devidamente deglutidos. Com uma caneta a laser, Rodrigo Ferrarini ilumina um ponto num mapa do Planeta e compartilha com o público uma reflexão sobre o fato de alguém escrever algo num ponto obscuro do Planeta e essa 'obra' interessar pessoas que vivem muito longe no espaço e no tempo. Vida tem diferentes andamentos para tratar de variações sobre esse tema, a arte como esse ponto de luz que atrai a atenção e interessa ser visto. Que liga os humanos como construtores de uma cultura e os diferencia dos animais.
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Em uma segunda camada, o grupo traz para a cena inquietações que são de ordem estética. Em uma delas, Ranieri é empurrado para o palco com um figurino feminino. "Vestiram essas roupas em mim e pediram para fazer alguma coisa", diz ele, não exatamente com estas palavras. Ele canta com postura de Diva e Giovana Soar, em um ataque meio histérico de fã, diz: "Eu queria ser você, ver o mundo através de você, a partir de sua visão". Pode-se "ler" aí uma "problematização" do personagem dramático que pede a interpretação na qual o ator "encarna" o outro. O diálogo como canal de comunicação também é posto em questão, na estrutura da peça, e na cena inicial, na qual o ator Rodrigo Ferrarini fala com o público. Mas é apenas uma possibilidade de leitura nesse espetáculo que alcança polifonia.
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Quando realizada em sala de ensaio por atores e um diretor talentoso, como é o caso da Cia. Brasileira, a dramaturgia torna-se significativa e se harmoniza com a escrita cênica. Mas o excesso costuma ser o calcanhar de Aquiles do processo colaborativo. Vida estreou no Festival de Curitiba e talvez alguns cortes ampliassem sentidos pelo efeito de concentração, em vez de reduzi-los. Operação sempre difícil de ser feita por envolver afetos, apegos, sobretudo quando todas as cenas estão bem-elaboradas. No teatro, porém, menos costuma mesmo resultar em mais.