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Partituras sem contratempos

Um breve momento com duas divas do jazz

Este texto é apenas uma pequena, uma muito breve homenagem a duas divas do jazz. Só uma desculpa para ouvir suas vozes neste quase ano novo. Elas conheceram as agruras da vida, usaram as dificuldades para lapidar seu talento e tornaram-se eternas em sua arte. Hoje, as duas 'ladies' são fonte de alegria para uns, de consolo para outros. No final das contas, cumpriram seus papeis.

Por Carlos de Oliveira
Atualização:

Deusas, divas, lendas, ladies. Não importa como sejam chamadas, elas são e sempre serão as maiores, as damas do jazz, as donas da canção. Claro, há muitas outras: Sarah Vaughan, Bessie Smith, Nina Simone. Mas, sem fazer pouco de ninguém, Ella Fitzgerald e Billie Holiday talvez estejam um degrau acima, um passo à frente, uma emoção a mais. Opinião pessoal. Gosto.

Ambas experimentaram o lado sombrio da vida, as dificuldades, as grandes ou as pequenas tragédias. Em comum, a voz. Uma alcançava três oitavas, como a de Ella. Outra, uma navalha, percorria os tons mais baixos da escala, como a voz de Billie.

Ella Fitzgerald, de vigia em bordel a maior cantora de século 20. Foto: Estadão

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Lady Ella - Antes de Ella Jane Fitzgerald se tornar a First Lady of the Song ou apenas Lady Ella, a jovem nascida em Newport News, na Virgínia, em 1917, passou por maus momentos. O pai foi embora logo após seu nascimento.

Aos 15 anos perdeu a mãe e ficou sozinha no mundo. Para sobreviver foi ser vigilante em um bordel, trabalhou em casa de apostas chefiada pela máfia, foi presa, viveu em reformatório, foi moradora de rua e recolhida por um orfanato para meninas negras. Em sua bagagem, um disco de Bing Crosby e outro das Boswell Sisters.

Foi com essa herança que Ella estreou como cantora em 1934, no palco do lendário teatro Apollo, um dos ícones do Harlem, em Nova York. Nada de muito profissional, afinal estava inscrita no recital Noites Amadoras, uma espécie de concurso de calouros. Como prêmio, o primeiro lugar e U$ 25. Depois disso, até começar a cantar com as big bands não demorou muito.

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Ao longo de sua carreira de quase 60 anos, Ella cantou e gravou com Duke Ellington, Count Basie, Louis Armstrong e Dizzy Gillespie, dando notoriedade a compositores como Cole Porter e os irmãos Gershwin, a ponto de Ira Gershwin ter declarado: "Nunca soube como eram boas nossas canções até ouvi-las na voz de Ella".

Vencedora de 14 Emmys, Lady Ella morreu em 1996, a0s 79 anos, devastada pelo diabetes que, antes de lhe roubar a vida, lhe tirou a visão e as pernas.

Summertime, uma da marcas de Ella Fitzgerald. Veja:

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Lady Day - Talvez nem todos conheçam Eleanora Fagan Gough, nascida em 7 de abril de 1915, filha de pais pré-adolescentes. Clarence Holiday, o pai, tinha 15 anos. Saddy Fagan, a mãe, apenas 13. Como geralmente acontece com casais nessas idades, deu a lógica: separação tão logo a pequena Eleanora, ou apenas Billie, Billie Holiday, nasceu.

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Clarence se foi para sempre com uma banda de jazz. Saddy deixava Billie com parentes e saía. Com uma infância bem próxima do miserável, Billie foi violentada por um vizinho quando tinha apenas 10 anos. Dois anos depois, para ajudar nas despesas, foi lavar o chão deprostíbulos. Aos 14, já vivendo em Nova York, prostituiu-se.

Billie Holiday, a voz mais sofrida do jazz. Foto: Estadão

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Uma ameaça de despejo e o desespero para encontrar um emprego e algum dinheiro fizeram com que Billie tentasse ser dançaria em um bar do Harlem. Penalizado por ver uma bailariana tão carente de recursos técnicos, o proprietário perguntou se a jovem sabia cantar.

Billie cantou e ganhou um emprego fixo. Anos depois, foi John Hammond que a levou para o disco e para as big bands: Benny Goodman, Duke Ellington, Teddy Wilson, Count Basie, Artie Shaw e Louis Armstrong. Do grande saxofonista Lester Young ganhou o apelido de Lady Day.

Billie Holiday veio do nada, conheceu o sucesso e sucumbiu ao álcool e às drogas. Morreu em 1959, quase miserável, em um leito barato de hospital, presa e escoltada por um policial por posse ilegal de entorpecentes. Aos 44 anos, ia-se a voz mais dolorida do jazz.

Quanta ironia: às vezes parece que as dificuldades lapidam o talento.

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Billie Holiday e Louis Armstrong. Ouçam:

//www.youtube.com/embed/x6RwSsHSIfs

 

 

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