Carlos de Oliveira
16 de novembro de 2015 | 17h23
É bem provável que os mais jovenzinhos nunca tenham ouvido falar em Trigger. Pois Trigger era o nome de um imponente cavalo palomino de longas crinas platinadas, o mais fiel companheiro de um cowboy heterodoxo chamado Roy Rogers. Seus filmes, que prendiam a atenção de crianças e adultos lá pelo fim dos anos 50, misturavam os inevitáveis tiroteios entre mocinhos e bandidos, assaltos a diligências, um absurdo jipinho chamado Nellybelle, ônibus e até aviões, num dos mais inverossímeis westerns da história do cinema. Em tempo: Rogers, que tinha um cachorro chamado Bullet, era casado com a dócil (mas nem tanto) Dale Evans.
Willie Nelson, 82 anos, ídolo country e seu fiel violão Trigger: uma homenagem ao cavalo do cowboy Roy Rogers.
Trigger, mesmo nome do cavalo de Roy Rogers, é um velho, surrado e fiel companheiro de Willie Nelson.
Talento country – E mais uma vez a velha pergunta. O que o seriado do cowboy que subvertia a história do Velho Oeste e seu fiel cavalo tem a ver com música, o objeto principal de Sonoridades? Muito. Roy Rogers era metido a cantor e dedilhava seu violão, geralmente encostado na cerca de algum curral.
Mais ou menos nessa mesma época, anos 50, William Hugh Nelson, ou Willie Nelson, texano de Abbot e de voz anasalada, mostrava seu talento para a música country. Cowboy, cavalo, violão, música caipira. Tudo combinava. Em Nashville, Nelson emplacou o primeiro de seus muitos sucessos: Hello Walls. Na TV, Roy Rogers e Trigger distribuíam justiça pela América profunda.
Nova ‘persona’ – Tempos depois, em meio a incursões não só pelo country tradicional, mas pelo country rock, pelo outlaw country e pelo country alternativo, Nelson estava à procura de um novo estilo e, quem sabe, de uma nova persona. Em 1969, por conta de um acidente, seu violão, um velho Guild, espatifou-se. Pouco depois, sua casa em Nashville pegou fogo. Essa era a hora de recomeçar. De voltar às origens. Partiu rumo a Austin, Texas. A barba ruiva antes sempre raspada cresceu. O cabelo comportado desceu pelos ombros e dividiu-se em duas longas tranças.
Novo Trigger – Para dar sequência a sua carreira, Nelson precisava de um novo instrumento. Mas não de um qualquer. Ele tinha um sonho: conseguir um violão que soasse como o de Django Reinhardt, guitarrista de origem cigana nascido na Bélgica e que brilhou na cena do jazz francês dos anos 30 aos 50, mais ou menos. O que mais se aproximou do timbre perseguido foi um Martin N-20, com cordas de nylon. Comprou-o e implantou-lhe um captador. Lembrou-se de Roy Rogers e deu a seu novo violão o nome de Trigger. Desde então, nunca mais se separaram. Uma nova parceria
Fiéis para sempre – Hoje, Nelson e Trigger estão bastante marcados pelo tempo. O artista icônico chegou aos 82 anos. Trigger tem sulcos profundos e irreversíveis em seu tampo sólido de maple, madeira usualmente utilizada na confecção de violões. Mais do que sulcos, há um rombo imenso bem junto ao cavalete. Seja como for, o tempo só apurou as qualidades de Nelson e de Trigger. Formam uma única entidade. Funcionam perfeitamente. Fiéis para sempre.
Nelson e o “Serrador”, violão que ganhou de prisioneiros condenados à morte em penitenciária texana.
A cumplicidade de Nelson e Trigger é tamanha que, recentemente, o cantor e compositor ganhou um presente especial: um violão novo cuja história é um tanto insólita. Ele foi construído por prisioneiros que ocupam (ou ocupavam) o “corredor da morte” da Polunski Unit, considerada a mais terrível prisão de segurança máxima do Texas, situada em Livingston.
O instrumento recebeu o nome sugestivo de Sawyer (serrador). “Eu sei que provavelmente você nunca tocará com ele, mas do fundo do coração quero dizer que fiz o melhor trabalho que me foi possível fazer”, disse o prisioneiro identificado apenas como Keltch. Willie Nelson gostou do presente e, sincero ou apenas diplomático, chamou-o de “obra de arte”.
Seja como for, nada indica que o velho Trigger será aposentado, já que tem sido visto nos braços de seu dono em suas mais recentes apresentações pelos Estados Unidos.
Trigger, o violão de Willie Nelson, tem uma longa história que ele mesmo gosta de contar. Veja e ouça seu depoimento (e de amigos), dado recentemente à revista Rolling Stone:
Em 1973, numa canção nostálgica, o inglês Elton John gravou uma homenagem ao cowboy Roy Rogers. Ouça: