A pouco mais de um mês de completar 71 anos, Eric Clapton não cumpriu integralmente a promessa de se aposentar, feita um ano atrás. É bem verdade que ele reduziu (e muito) o ritmo de concertos ao vivo, mas acaba de anunciar seu 23º álbum, sugestivamente intitulado I Still Do. Ou seja, na estrada ou no estúdio o velho Clapton continua ativo. Claro, várias publicações já falaram sobre o novo CD que chega ao mercado no dia 20 de maio. Mas há nele certas particularidades que merecem ser aprofundadas. Afinal, são, no mínimo, histórias saborosas.
Milagres - Quem se der ao trabalho de ver a lista de músicas que compõem o novo álbum vai deparar-se com a de título I Will Be There. Pois nela um certo Angelo Mysterioso canta, toca guitarra acústica e ainda assina a composição com Clapton. Não, não se trata de nenhum tenor italiano ou coisa do tipo. Angelo Mysterioso é nada mais nada menos do que o beatle George Harrison, que morreu em novembro de 2001. Milagres das novas tecnologias.
Mysterioso "nasceu" em 1969. Harrison ainda era um beatle e por razões contratuais não poderia figurar no então novo álbum do Cream, intitulado Goodbye, para o qual havia composto com Clapton a canção Badge. Mais do que compor, Harrison tocou guitarra na gravação. Precisava, então, de um pseudônimo. E para ser mais exato, a primeira versão de seu nome fantasia foi L'Angelo Misterioso, com L' no início e i no lugar de y.
De volta - Essa não seria a única vez que Harrison usaria um pseudônimo. Ao longo de sua carreira criou (ou criaram-lhe) outros como Asher Ogre Groin , George O'Hara, George O'Hara-Smith Singers, Nelson Wilbury, P. Roducer, Son of Harry e Spike Wilbury. Parece que o ex-beatle divertia-se com seus nomes inventados. Agora, numa espécie de homenagem, Clapton fez Angelo Mysterioso, com y, ressurgir.
Harrison e Clapton sempre foram muito ligados. O beatle convidou o amigo a fazer o antológico solo de guitarra em While My Guitar Gently Weeps, que Harrison compôs para o Álbum Branco. Vinte anos depois de ter tocado com o Cream, Harrison voltaria a participar de um disco de Clapton, mais exatamente 0 Journeyman, de 1989, na música Run So Far.
Patty - No fim dos anos 60, Harrison e Clapton protagonizaram um triângulo amoroso com Patty Boyd, na época casada com o beatle e obsessivamente assediada por Clapton. Patty, ao ver-se enredada nessa situação, separou-se de Harrison e casou-se com Clapton. A amizade dos dois músicos, contudo, permaneceu inabalada. Nos anos 90, afastado do mundo da música, George Harrison foi incentivado por Clapton (e sua banda) a fazer uma longa e exitosa excursão internacional.
Vale lembrar que em 2002, Clapton organizou um grandioso tributo a George Harrison no Royal Albert Hall, em Londres, reunindo um grupo fantástico de músicos que, de alguma forma, trabalharam com o beatle. O Concert For George foi editado em CD duplo e em DVD.
Ouça Badge com o Cream. A música foi composta por George Harrison e Eric Clapton, em 1969. George ainda era um beatle e, para poder tocar na outra banda, criou o pseudônimo de L'Angelo Misterioso, depois mudado para Angelo Mysterioso:
Ouça versão mais recente e ao vivo de Badge, com Eric Clapton e sua banda:
Beatles - No CD I Still Do, além de Angelo Mysterioso, Eric Clapton exibe outras duas referências aos Beatles. A primeira: a capa do álbum é um recente retrato de Clapton, pintado por Peter Blake, o artista responsável pela realização da capa do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de 1967. A segunda: o baterista que toca com Clapton é Henry Spinetti, irmão mais novo do ator galês Victor Spinetti, que trabalhou em três filmes dos Beatles: A Hard Day's Night, Help! e Magical Mystery Tour.Victor Spinetti morreu em 2012, aos 83 anos.
Agora só resta aguardar o dia 2o de maio e conferir o lançamento de I Still Do. Ao longo de doze canções, Clapton faz um cover de Stones in My Passway, de seu ídolo Robert Johnson; revê I Dreamed I Saw St. Augustine, de Bob Dylan, e Alabama Woman Blues, de Leroy Carr. Pelo jeito, o velho Clapton não é um bom cumpridor de promessas. Felizmente.