A primeira impressão foi de um justificável espanto. Afinal, aquela não era uma voz comum. Tinha algo de dramático, operístico, perturbador. Ao mesmo tempo, soava infantil em alguns momentos. Madura e poderosa em outros. Uma soprano em formação diriam os ouvidos musicalmente educados. Na verdade, uma soubrette. Tantos predicados para um nome tão curto: Kate Bush. Em janeiro 1978, aos 20 anos, seu 'single' Wuthering Heights chegou rapidamente ao primeiro lugar na Inglaterra e invadiu rádios e clubes de vários países, o Brasil entre eles.
Por trás do sucesso, uma carreira construída lentamente, em silêncio, nos bastidores, no distrito de Bexley, na Grande Londres, a 20 quilômetros do centro da cidade. Filha de um médico inglês e de uma enfermeira irlandesa, a jovem Catherine teve educação formal em um convento escolar em Abbey Wood, com estudos avançados de piano e violino.
Gilmour - Aos 16 anos, surge um padrinho da mais alta qualidade musical: David Gilmour, o virtuoso guitarrista do Pink Floyd. Impressionado com o talento da menina, financiou suas primeiras fitas demos. O material foi apresentado à gravadora EMI, que logo ofereceu um contrato a Kate, com uma ressalva: só lançaria um álbum seu quando ela estivesse cem por cento madura. Até lá, ela concluiria seus estudos, dando prioridade à música, à dança e à mímica.
Acrobática - A somatória de todos esses talentos culminou com o álbum The Kick Inside, de 1978, com 13 faixas, todas compostas por Kate. No Brasil, a música de trabalho foi Strange Phenomena, mas nenhuma superou o sucesso de Wuthering Heights, título original de O Morro dos Ventos Uivantes, a obra de Emily Jane Brontë (1818-1848). Não bastasse a voz peculiar de Kate, o clip da música mostrou uma artista jovem, bonita, ágil, acrobática, características que marcariam sua carreira.
Veja Wuthering Heights, com Kate Bush, em gravação de 1978:
Kate escreveu a música quando tinha 18 anos, depois de ter visto na TV uma adaptação da obra para o cinema. Concentrou-se nos dez minutos finais do filme. Na letra da música usou algumas falas da personagem Catherine Earnshaw, especialmente na construção do refrão (Let me in! I'm so cold!).
Solo - Wuthering Heights termina com um belo solo de guitarra que chegou a ser creditado a seu amigo e mecenas David Gilmour. O solo, porém, foi executado por Ian Birnson, guitarrista que fizera parte do Alan Parsons Project. A guitarra foi colocada em volume baixo na mixagem final da música. Tempos depois, o engenheiro de som Jon Kelly admitiria ter se arrependido de não ter aumentado o volume do instrumento e deixá-lo soar livremente.
Vovó - Em 1980, Kate Bush voltaria ao topo das paradas com Babooshka. A música conta a história de uma esposa que tenta testar a fidelidade de seu marido enviando-lhe bilhetes assinados por uma mulher mais jovem que se identifica apenas como Babooshka (vovó em russo).
Ouça Babooshka, com Kate Bush, de 1980:
Hoje, aos 58 anos, praticamente reclusa e bem mais gorda, Kate fala sobre Before the Dawn, a série de concertos que em agosto de 2014 deu origem ao álbum agora anunciado para novembro. Ela lembra que o trabalho é creditado ao KT Fellowship, companhia artística que fez o espetáculo no Hammersmith Apollo.
Jejum - Há dois anos, no dia 21 de março, ela anunciava que interromperia um jejum de 35 anos dos palcos para se dedicar a um grandioso espetáculo em Londres intitulado Before the Dawn. A programação inicial previa 15 concertos, mas a procura de bilhetes foi tão grande que os organizadores tiveram de estender o número de apresentações para 22.
"Foi uma das experiências mais extraordinárias de minha vida", escreveu Kate em seu website, logo após a conclusão dos shows. "Amei todo o processo. Particularmente colocar a banda, o coro e a equipe técnica num trabalho conjunto. Realmente foi a melhor combinação de talentos no mundo da música e do teatro. Nós nos tornamos uma família e eu realmente sinto falta de todos terrivelmente".
Ouça Running Up That Hill, com Kate Bush, de 1985:
Militante - Nos anos 80, Kate Bush engajou-se no movimento mundial da Anistia Internacional pela libertação de presos políticos, entre eles Nelson Mandela. Apresentou-se ao vivo com David Gilmour, do Pink Floyd, e gravou com Peter Gabriel, ex-Genesis.
Ouça Running Up That Hill com Kate Bush e David Gilmour, ao vivo, nos anos 80:
Ouça Don't Give Up, com Peter Gabriel e Kate Bush, do álbum So, de Peter Gabriel:
Ao vivo - Os três CDs ou os quatro LPs do novo álbum de Kate Bush são o registro fiel dos concertos de 2014, sem mixagens ou qualquer outro recurso técnico que tire a originalidade do espetáculo. Por ora, os fãs da artista só terão acesso ao registro sonoro dos concertos. DVD ou Blu-ray ainda não estão nos planos. "Quem sabe em mais 35 anos", brincou um dos organizadores.