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Partituras sem contratempos

Êpa, brega, não! Pioneiros!

Com melodias importadas dos Estados Unidos e letras em português, fruto de versões simples e inocentes, o rock brasileiro deve muito a seus pioneiros. No fim dos anos 50 e início dos 60 reinavam, com direito a faixa de rainha e de rei, a paulista Celly Campello e o carioca Sergio Murilo. Ninguém falava iê-iê-iê. Os cabelos era curtos. Beatles e Jovem Guarda viriam bem depois. Aos pioneiros, um singelo tributo. E que ninguém ouse chamá-los de bregas.

Por Carlos de Oliveira
Atualização:

Eles vieram bem antes dos Beatles e dos Rolling Stones. Antes de Roberto e Erasmo Carlos, antes da Jovem Guarda. Ainda não existia o iê-iê-iê. O nome daquilo que eles faziam era rock, rock and roll. Os anos 50 mal terminavam e eles já rondavam as rádios com suas músicas de ritmo forte.

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As letras de original em inglês eram vertidas para um português muito simples, direto, fácil de entender, quase sempre por um certo e genial Fred Jorge. Já foram até chamados de bregas. Mas há que lhes fazer justiça. Foram pioneiros. Hoje viraram cult.

Celly - Talvez ninguém conheça uma menina nascida em São Paulo e criada em Taubaté de nome Célia Benelli Campello. Agora, Celly Campello é provável que muitos a conheçam - ou, pelo menos, se lembrem dela. Lá por 1958 Celly foi nossa primeira roqueira. Claro, ela era um pouco diferente do esteriótipo atual de roqueira. Tinha uma vozinha ardida, mas até aí tudo bem. Tinha também um sotaque meio italianado, não negando suas origens, além de um jeito todo certinho.

Celly Campello e o disco 'Brôto Certinho', do fim dos anos 50: rock inocente numa São Paulo provinciana. Foto: Estadão

Anos dourados - Entre lacinhos cor-de-rosa no sapato, cupidos, banhos de lua e brotos legais, Celly arrebatou um público que crescera durante os anos dourados patrocinados pelo governo de Juscelino Kubitschek . Juventude transviada foi uma expressão que apareceu um pouco depois.

Naquela época, 1958/1959, o máximo da rebeldia era ser "playboy" e andar de lambreta pela ruas de paralelepípedos de uma São Paulo provinciana. O rock ainda era inocente por aqui. Por algum tempo, Celly reinou absoluta. Mas logo enfrentaria forte concorrência.

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Estúpido Cupido, outra versão que fez sucesso com Celly Campello. Foto: Estadão

 

 Foto: Estadão

Celly canta Lacinhos Cor-de-Rosa, uma versão de Pink Shoe Laces, de Mickie Grant, feita por Fred Jorge. No selo do disco de 78 rotações, da Odeon, a informação: Acompanhamento de Mario Gennari Filho e seu conjunto.

Rainha - Em 1962, depois de no máximo quatro anos de sucesso, aos 20 anos, Celly encerrou sua carreira para se casar. Foi morar em Campinas. Na ainda incipiente Jovem Guarda, seu nome teria sido cogitado para comandar o programa que, mais tarde, faria sucesso com Roberto, Erasmo Carlos e Wanderléa, de agosto de 1965 ao final de 1968, na TV Record.

Na década de 70, Celly tentou retomar a carreira e até participou da primeira versão do Hollywood Rock, no Rio, ao lado do irmão Tony. Em 76, a novela "Estúpido Cupido", da Globo, reabilitou a cantora por um curto período. Celly, a rainha do rock, morreu de um câncer, em Campinas, em março de 2003, deixando um legado de simpatia.

Sérgio Murilo, outro rei do rock brasileiro nos anos 59/60. Foto: Estadão

Marcianita - Mas, de volta a 59/60, o reinado de Celly sofria ameaças. No Rio de Janeiro, um jovem nascido no Catete já vinha desenhando uma carreira de sucesso desde os 12 anos, participando de programas na antiga TV Rio e na Rádio Tamoio: Sérgio Murilo tinha tudo para ser o rei do rock. E foi. Nessa época ele gravou Broto Legal ( também gravado por Celly) e, depois, seu grande sucesso, Marcianita, regravado anos depois por Caetano Veloso, Raul Seixas e Léo Jaime. Hoje é um clássico.

Celly Campello e Sérgio Murilo são eleitos rainha e rei do rock. Foto: Estadão

Sérgio Murilo canta Marcianita, de 1960:

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Sérgio Murilo foi envolvido pelo efervescente movimento Jovem Guarda, viveu bons momentos de notoriedade e depois entrou em declínio. Tentou uma carreira no Peru e foi bem-sucedido. Morreu jovem, aos 50 anos, em 1992.

Fred Jorge: versões que fizeram sucesso no rock brasileiro dos anos 60. Foto: Estadão

Versões - Poucos daqueles roqueiros compunham, é verdade. Versões de músicas estrangeiras de sucesso, como as de Paul Anka e Neil Sedaka, faziam mais o gosto dos brasileiros. Por trás dessas versões, um nome constante: Fued Jorge Jabur, mais conhecido por Fred Jorge, um novelista premiado da antiga rádio São Paulo que, depois de uma viagem de um ano para os Estados Unidos, voltou influenciado pela música jovem local e tornou-se um 'versionista' e produtor de mão cheia. O embrionário rock brasileiro deve muito a Fred Jorge e sua criatividade.

Ronnie Cord teve dois grandes sucessos: 'Biquini de Bolinha Amarelinha' e 'Rua Augusta'. Foto: Estadão

Longa galeria - Foram muitos os pioneiros do rock pré-Beatles ou Roberto Carlos. Com mais ou menos sucesso, a galeria é vasta e a possibilidade de cometer uma injustiça com este ou aquele nome é grande.

Mesmo assim, aqui vai mais um, para encerrar: Ronnie Cord. Filho do maestro e compositor Hervé Cordovil, foi precoce na música, pois aos seis anos já tinha intimidade com o violão.

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Biquini - Nascido em 1943, em 1959 gravaria pela primeira vez. Em 1961, seu primeiro sucesso: Biquini de Bolinha Amarelinha, uma versão da americana Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polka Dot Bikini, lançada naquele mesmo ano por um certo Brian Hyland.

Dois anos depois,Ronnie Cord lançaria Rua Augusta, uma letra meio maluca que hoje seria rotulada de política e socialmente incorreta, mas que na época fez muito sucesso. O cantor chegou a participar rapidamente da Jovem Guarda. Ronnie foi outro a morrer cedo demais, aos 42 anos.

Ronnie Cord canta Biquini de Bolinha Amarelinha e Rua Augusta, dois sucessos do início dos anos 60:

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Abeatlemania só chegaria por aqui dois ou três anos anos depois, com She Loves You e I Wanna Hold Your Hand. Embalados pelo iê-iê-iê e pelos cabelos compridos, mas nem tanto, Roberto e Erasmo Carlos assumiram a Jovem Guarda e o resto da história muito provavelmente todos já saibam. Novos nomes apareceram e fizeram sucesso. Novas modas e nova linguagem foram criadas. Mas àqueles roqueiros inocentes do início, o crédito por terem sido pioneiros. Bregas, jamais.

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