Você já percebeu que, cada vez mais, vários brasileiros de suas relações estão ficando grosseiros, mal-educados, para não dizer, simplesmente cafajestes e cafonas? Já se deu ao trabalho de ler os comentários do mais baixo nível de leitores em jornais ou de usuários nas redes sociais? Já notou o tom deprimido, enfermiço e obsessivo de pessoas que antes lhe pareciam inteligentes, humoradas e hoje não fazem outra coisa além de gemer e repetir o óbvio como papagaios?
Ao ler o editorial de hoje no Estadão, sob o título "Falta de civilidade", lembrei imediatamente uma das principais razões que parecem ter provocado o desmoronamento do Império Romano do Ocidente. As conquistas militares da Roma antiga (a conquista da Itália e as Guerras Púnicas, com a destruição de Cartago pelo exército romano em 146 a.C.) permitiram que a civilização romana dominasse a bacia do Mediterrâneo, e portanto o mundo, durante mais de 600 anos. No entanto, a abdicação do imperador Rômulo Augusto em 4 de setembro de 476 marca a queda de Roma. Por que aquele Império nascido em 27 a.C., entrou em colapso?
Naturalmente, os motivos são assunto de várias e diferentes teorias. É muito difícil para os historiadores desenvolverem um conceito único sobre esta ruína, por causa da falta de dados objetivos deixados pelos narradores que viveram na época.
Mesmo assim, escritores como o romano Flávio Vegécio (século 4), o francês Montesquieu (1689-1755) que também foi filósofo político, historiadores como o inglês Edward Gibbon (1737-1794) ou pensadores como o tcheco Radovan Richta (1924-1983), consideravam que uma combinação de circunstâncias perigosas levou à queda do Império Romano. Caso contrário, segundo eles, o domínio poderia ter continuado indefinidamente.
Para alguns, Roma trazia nela mesma as causas de sua queda. Vegécio, por exemplo, disse que o império declinou devido ao contato com populações bárbaras. Ele fala de um "aumento do barbarismo" que seria a força motriz do declínio.
Corroeram-se as relações sociais e instituições. Lembra alguma coisa?
Uma teoria bastante semelhante foi desenvolvida por Gibbon. Segundo ele, os cidadãos romanos (assim como os brasileiros de hoje) perderam gradualmente as suas virtudes cívicas. Eles teriam finalmente esquecido de defender o império contra as intrusões dos bárbaros, teriam deixado deteriorar o respeito pelo outro, e corroerem-se as relações sociais e instituições. O historiador britânico também considerava a religião, a ascensão do cristianismo, como uma das causas da queda. A religião teria desviado o povo da vida cotidiana do império para o benefício de esperar pelas recompensas do paraíso, assim como teria começado a justificar a perda das virtudes cívicas. Lembra alguma coisa?
Outra das razões do desmoronamento do Império Romano do Ocidente foi o poder excessivamente autoritário. Mesmo que o imperador Rômulo Augusto fosse bastante incompetente, não tivesse nenhum carisma, senso de prioridades e capacidade de tomar decisões importantes, foi o autoritarismo - seu e dos antecessores - que provocou lentamente o declínio de Roma. A isso, juntava-se o fato de que as autoridades romanas sofriam de um sentimento de superioridade diante dos exércitos bárbaros que se encontravam nas fronteiras do Império. Lembra alguma coisa?
Na verdade, os imperadores romanos eram um pouco como os governos nacional-populistas que vemos hoje, entre os quais se encontra o brasileiro. Se, ao invés do seu "nacionalismo" e aceitação apenas de seus iguais, tivessem mantido trocas frutíferas no final do século V, como por exemplo com Constantinopla (o Império Romano do Oriente do qual "não eram fãs"), Roma jamais teria caído nas mãos dos bárbaros.
Desrespeita-se a cultura, Roma declina. Lembra alguma coisa?
Muitos cientistas tiveram uma visão teleológica considerando a queda do Império romano como a antítese natural do seu enorme florescimento. Mais recentemente, o historiador Henri-Irénée Marrou (1904-1977) rompeu com esta visão e utilizou o prisma sobretudo cultural para explicar o fenômeno. Desrespeita-se a cultura, Roma declina. Lembra alguma coisa?
Claro que a elasticidade do tema da "queda do Império Romano" está de acordo com preocupações contemporâneas. Não é de surpreender que também sejam as questões ambientais que dominem esse campo de estudo no século 21. Kyle Harper, professor de História na universidade de Oklahoma e também o especialista em história romana Benoît Rossignol, professor na Sorbonne estudam o impacto do clima, calor, insalubridade e doenças, na queda de Roma.
Rossignol confirma: "A questão climática foi levada muito a sério na história com o trabalho de Emmanuel Le Roy-Ladurie desde os anos 1960, mas no nosso campo mais específico de estudo, o da história romana, temos fontes e dados que nos permitem ter uma ideia clara sobre o assunto, apenas a partir dos anos 2000."
Os romanos, antes da queda, estavam tão convencidos quanto alguns brasileiros de que o seu mundo permaneceria essencialmente o mesmo (ou, pelo menos, "de pé") para sempre. Estavam errados. Cabe a estes não repetir o mesmo erro dos romanos, tentando garantir-se com a falsa segurança. A história da humanidade, história geralmente negada ou distorcida pela extrema direita, pode conter avisos severos e certos escrúpulos que devem ser tomados, sobretudo quando há violência social e falta de civilidade, como na Roma antiga, alimentadas por uma crise de autoridade.
Até a próxima, que agora é hoje!