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Arte, aqui e agora

François Roustang, o novo Sócrates que nos deixou

Basta sentar convenientemente para encontrar o nosso lugar e posição na existência.

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Por Sheila Leirner
Atualização:

François Roustang em 2009. Foto: John Foley/Opale/Leemage

Perdemos um grande. Alguém que nos ensinou e guiou o quanto pôde, com sua enorme sabedoria, o pouco que sabemos sobre a vida.

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Antigo jesuíta e psicanalista, François Roustang (1923-2016), também filósofo, recentemente dedicava-seà hipnoterapia e nos deixou há poucos dias, na noite do 22 ao 23 de novembro, com dados fundamentais sobre a cura. Por meio de sua transmissão, à qual provávelmente se dará ainda mais valor no futuro, conhecemos os efeitos nefastos da "transferência" em psicanálise, as palavras desnecessárias em terapia, e também as particularidades do tempo de análise que, segundo ele, "não deve se eternizar" como fazem os analistas desonestos que "prendem" os seus pacientes durante anos a fio - enchendo os seus bolsos - como se os seus analisandos realmente tivessem algum poder de decisão sobre o "fim da terapia".

Além de sua honestidade profissional e intelectual - que conheci de perto - François Roustang foi um homem totalmente livre, que se colocou contra Lacan e as igrejinhas freudianas numa época em que ninguém teve essa coragem. Analista anti-psicanálise fora da norma, ele provou, segundo a historiadora (freudiana) Elisabeth Roudinesco, no jornal Le Monde de ontem (28 de novembro), um "talento excepcional e um humor delicado e feroz". "Tal é o testamento deste Sócrates rebelde", diz ela, "grande médico das doenças da alma". Isto, não sem lançar uma pequena farpa que não vou reter aqui, como sempre em defesa de Freud. Ébom lembrar que Roudinesco é o melhor cão de guarda moderno do fundador da psicanálise...

Roustang jamais aceitou pacientes narcisistas que não estivessem dispostos a mudar e tentassem 'enrolar' o terapeuta.

É inesquecível a página 23 do romance O Reino (Le Royaume, POL, 2014), onde o escritor Emmanuel Carrère conta a sua única sessão com este psicanalista. Diante dele, Carrère evoca o impasse no qual se encontra, suas dores de barriga, seus pensamentos suicidas. Em seguida, pergunta a Roustang se este aceitaria tomá-lo como paciente para uma terapia. O terapeuta responde que não. Era esperado. Roustang jamais aceitou um paciente que não estivesse disposto a mudar, que pudesse se fechar e "armar" em uma posição narcisista, tentando "enrolar" o terapeuta.

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"Percebo... tudo que o interessa é provar mais uma vez como o senhor tem talento para derrotar os seus psicanalistas. O senhor deveria tentar outra coisa", continuou Roustang. "Sim, mas o quê?", respondeu Carrère. "O senhor falou de suicídio. Isso não faz muito sucesso em nossos dias, mas às vezes é uma solução." Depois de deixar um longo silêncio se instalar, o terapeuta conclui: "Se não, o senhor pode viver."

Fim da cura. "Pouco a pouco, sem que jamais o tenha revisto, constata Emmanuel Carrère, as coisas começaram a melhorar."

Até a próxima que agora é hoje, e certas pessoas não morrem. Faz quase 30 anos que releio, repenso François Roustang e relembro a sua pessoa, na tentativa de fazer com que ele ainda me guie!

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Entrevista com François Roustang, filósofo e terapeuta francês (1923-2016). Tradução e legendas em português: S. L.

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