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Arte, aqui e agora

Fim do diálogo?

Ando consternada com a queda de nível de alguns intelectuais e escritores brasileiros, antes respeitados. Não sei se pelo contato com o lodo das redes ou com as asneiras diárias que chovem do alto do governo, vejo pessoas, que julgava sensíveis por sua obra, despejarem ressentimentos, preconceitos e insultos ad hominem em discussões que deveriam ser impessoais.

Por Sheila Leirner
Atualização:

"Homem e Papagaio", Cláudio Tozzi, 1969. Gravura.  

Alguns que se destacavam por sua escrita literária ou na imprensa, não conseguem mais escrever. No Facebook, balbuciam palavras, engolem outras. Como perderam a capacidade de dialogar, rabiscam três vocábulos para dizer "discordo" ou copiam e colam preguiçosamente links de matérias saídas na imprensa (órgãos nem sempre imparciais), como se isso fosse uma resposta aos seus interlocutores. Talvez pensem que nas redes tudo é permitido, o rigor seja desnecessário.

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Outros não fazem o mínimo esforço para verificar se as suas asserções são corretas, como, nos últimos dias, confundir "status internacional da Amazônia" com "zona internacional" ou "internacionalização", coisas que nada têm a ver. A possibilidade de o presidente Macron pedir "status internacional" para a floresta se os governos (não só o do Brasil) desobedecerem as regras de preservação, é certíssimo. Este "status" permite que haja controle geral para a preservação da biodiversidade, um pouco como o Tratado da Antártica do qual o Brasil é membro, e que serve para a proteção da região.

Além disso, estas criaturas repetem o cúmulo da ignorância proferido pelo presidente brasileiro, de que a França "possui colônias". Há quase um século que essas regiões são totalmente integradas ao Estado central francês, hoje fazem parte da União Europeia; são ultraperiféricas, ou seja, territórios da UE situados fora do continente europeu. Os habitantes das regiões ultraperiféricas são cidadãos franceses com todos os direitos e deveres inerentes. A história de cada região conta que eles nem sempre preferiram continuar como parte da França por motivos econômicos ou incapacidade militar, mas por compartilharem os mesmos valores republicanos e por sentirem orgulho de pertencer a este grande país.

As mesmas pessoas que não fazem esforço, também são capazes de estigmatizar ou caricaturar personalidades. Dizer, por exemplo que "o presidente Macron é da direita financeira" quando este político - pragmático, sem "ideologia de esquerda" ou "de direita"-sempre pertenceu (de maneira independente) ao partido socialista, foi ministro (independente) de um governo de esquerda, criou um partido (independente) e está efetuando uma reforma baseada sobretudo em projeto social. Reforma, aliás, que já diminuiu o desemprego a uma taxa jamais vista na história desta República. O preconceito substitui a verdade, porque a incultura impera.

Outros, ainda, usam a velha técnica de má-fé dos que nos governam. Ao responder, por exemplo, sobre a questão ambiental da Amazônia, falam do "incêndio da Notre Dame" ou da "poluição de Paris". Esse tipo de perfídia que eu chamo de "paralelismo desonesto", sempre usada tanto pelos petistas quanto pelos bolsonaristas, já não cola.

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Jogar raciocínio no lixo, me entristece demais

Jogar raciocínio no lixo, cultivar a desinformação, influenciar errado as pessoas e criar mais ignorantes, toda essa irresponsabilidade me entristece demais.

Ontem, dia 27, a coluna de jornal de um escritor e jornalista que sempre admirei na juventude, me consternou igualmente. Considero uma lástima que o correspondente francês em Paris de uma importante publicação brasileira denigra a França como jamais e "como um papagaio", repetindo uma mistura de clichês e opiniões superficiais e infundadas. Agora usa argumentos, evidentemente, não apenas anti-Macron, como sobretudo anti-franceses, quase anti-republicanos.

A minha vontade foi pedir que ele tirasse o colete amarelo ou a máscara de black bloc antes de escrever mas, depois, lembrei que, com a idade em que está, creio que 93, certos sentimentos e ressentimentos -  apesar da sua enorme experiência e cultura - podem impedir uma reflexão objetiva, ponderada e, consequentemente, sábia.

Até a próxima, que agora é hoje e, por este motivo, talvez eu pare de escrever e me esconda do leitor, bem antes!

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