Estadão
12 de setembro de 2019 | 07h00
Nada como o tempo para recolocar certas obras em perspectiva. Quando estreou nos cinemas, em 1971 – há quase 50 anos –, Ensina-me a Viver (Harold and Maude, no original) foi tratado a pontapés pela maioria da crítica, que não apenas não entendeu como ridicularizou o ponto de vista do diretor Hal Ashby. Imaginem: um garoto de 20 anos, com tendências suicidas, descobrindo a alegria de viver – e até os prazeres do sexo – com uma idosa de 79 anos.
O que Ashby estava querendo dizer? Afinal, os anos 1960 haviam visto triunfar a juventude contestadora, até o célebre Maio de 68. Os jovens fizeram a revolução de Woodstock, celebraram o sonho hippie de paz e amor. E aí veio o ex-montador de Norman Jewison – recebeu o Oscar da categoria por No Calor da Noite – com seu jovem tão de mal com a vida, e sem perspectivas futuras, que o filme se inicia com ele tentando diversas formas de suicídio.
‘Ensina-me a Viver’. O jovem Harold e a idosa Maude
Tentando tornar esse personagem verossímil para o público, Ashby selecionou um ator esquisitão, Bud Cort, aquele que quis voar com os pássaros num dos primeiros filmes de Robert Altman, Brewster McCloud. Face a esse jovem tão ‘velho’, colocou uma velhinhas sacudida, a grande Ruth Gordon, que recebeu o Oscar de coadjuvante por O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, em 1969, e isso depois de uma carreira como roteirista, com o marido Garson Kanin, em que ambos escreveram comédias sob medida para celebrar o protofeminismo de Katharine Hepburn nos anos 1940.
Hoje ficou incorreto dizer que o humor do filme é ‘negro’, mas a questão que fica no ar: a gente ri/ria de quê?
De forma até um tanto premonitória, o roteiro assinado por Colin Higgins, que passou à direção e morreu precocemente de aids, em 1988, antecipa os tempos sombrios que se abateriam nos 1970 sobre a ‘América’. A Guerra do Vietnã se intensificava, logo viria o escândalo de Watergate. O público percebeu, e reagiu.
Só bem depois Ensina-me a Viver ficou cult, virou até musical – encenado no Brasil. A única coisa que sempre foi grande, já na época, era a trilha – de Cat Stevens, que se converteu ao islamismo e virou Yusuf Islam. ‘Wild World’, canta Cat.
O filme – que será exibido nesta quinta, 12, às 22h, no Telecine Cult – é sobre isso, o mundo selvagem que ia enterrar, no concerto de Altamont, documentado em Gimme Shelter, o ideal hippie. Ashby, que morreu em 1988, aos 53 anos – debilitado pelas drogas e por um câncer de fígado –, ainda fez uma fábula belíssima. Muito Além do Jardim, com Peter Sellers, em 1979. (Luiz Carlos Merten)
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