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Diretor de 'Falas Negras', Lázaro Ramos reflete sobre a importância do especial

Projeto criado por Manuela Dias será exibido nesta sexta, 20, Dia da Consciência Negra, logo após a novela das 9, na TV Globo

Por Eliana Silva de Souza
Atualização:

Babu Santana como Muhammad Ali, no especial 'Falas Negras' 

Especial da Globo, que será exibido nesta sexta, 20, Dia da Consciência Negra, após a novela das 9, Falas Negras promete momentos de muita emoção. Criado por Manuela Dias, apoiada por uma extensa pesquisa de Thaís Fragozo sobre depoimentos históricos, o projeto coloca em cena atores dando voz a 22 depoimentos de pessoas que lutaram por justiça e contra o racismo. Martin Luther Kin, Angela Davis, Malcolm X, Marielle Franco e Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, estão entre os retratados.

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Estarão em cena, Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Taís Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aline Deluna, Flávio Bauraqui, Bukassa Kabengele, Angelo Flavio, Samuel Melo, Aílton Graça, Tulanih Pereira, Valdineia Soriano e Tatiana Tibúrcio, que apresentarão relatos coloniais de Nzinga Mbandi, que datam de 1626, aos ensinamentos pacifistas de Martin Luther King Jr., passando pela veemência de Malcolm X e Angela Davis, até a força de Marielle Franco, ou as dores de Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, e Neilton Matos Pinto, pai de jovem João Pedro. Atores estarão usando figurino assinado por Tereza Nabuco.

Sobre o programa, que promete ser um marco na história de TV brasileira, o diretor Lázaro Ramos, que contou com Mayara Pacífico como assistente, respondeu a algumas perguntas do Estadão. Veja a seguir.

Taís Araujo como Marielle Franco, no especial 'Falas Negras'(foto Victor Pollak/ Globo) 

Qual o objetivo de 'Falas Negras'?

Esse especial é uma convocação para conhecermos a história da luta negra, que muitas vezes fica escondida. São vários personagens, alguns desconhecidos para muita gente inclusive para mim, que estudo o assunto. Então isso demonstra que a gente tem uma lacuna grande no conhecimento da nossa história e essa luta e a nossa contribuição. O especial, claro, não tem a pretensão de contar a história completa desses personagens. São 22 trechos que, com certeza, vão estimular as pessoas a conhecer um pouco mais e também a ouvir um pouco mais o que essas pessoas disseram. É ainda uma oportunidade de se inspirar e, ao mesmo tempo, pensar nas falhas e nos desafios e decidir como é que a gente vai construir o nosso futuro.

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Tatiana Tibúrcio como Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Como surgiu a ideia para esse especial? O momento de pandemia influenciou?

A ideia foi da Manuela Dias, que eu conheço desde minha adolescência, na Bahia, quando ela ainda era atriz. Ela me ligou um dia dizendo que teve a ideia de coletar esses depoimentos, porque ela ficou muito mobilizada na época dos protestos pela morte do George Floyd e do menino João Pedro. Quando ela me chamou, eu fiquei na dúvida de como isso poderia ser feito, já que, no meu trabalho, escolho mais a ficção do que o documental. Mas, quando vi a primeira coletânea de textos, entendi o impacto que isso poderia ter e embarquei na hora.

Naruna Costa como Angela Davis, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Qual a importância de ouvir essas falas, sejam as que fazem parte da história da humanidade e suas lutas ou as dessas pessoas do mundo atual atingidas pela perda, que precisam ser registradas também?

Acho que é conhecer nossa história e, ao mesmo tempo, ser estimulado a conhecer mais para além dali. Meu desejo é não ficar no lugar da queixa e buscar um caminho para repensar nosso futuro. Quando a gente olha para nossa história, para nossos fatos e tem a oportunidade de refletir sobre isso, entendemos qual é o nosso papel dentro da construção da sociedade em que a gente vive.

Bukassa como Nelson Mandel, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Toda a produção terá um significado especial? Como foi pensado o cenário, terá mesmo um baobá? Qual o significado para o resultado do programa?

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O baobá veio primeiro do que o desafio da pandemia quando a gente não poderia ter os atores se encontrando e eu queria algum símbolo que estivesse presente no cenário, junto com as outras texturas, e que ligasse isso tudo. Conversei com o Maurão (Mauro Vicente Ferreira, responsável pela cenografia), falei sobre o baobá como elemento de um lugar e ele trouxe um baobá de proporções gigantescas, o que foi muito bom, porque remeteu a alguns símbolos - da solidez, resistência, afinal tem a ver com isso o nosso projeto também. O baobá, por viver muito tempo, ganhou um símbolo que para mim, particularmente, é muito bonito. Ele acabou virando uma espécie de testemunha desses fragmentos de história que a gente está contando, que começa em 1600 e vem até 2020. Acho que é justamente nessa busca para além de falar das questões, de ter uma temática social presente, também oferecer a nossa arte para as pessoas, com cenário que tem uma força estética, fotografia. Para não ficar somente na parte documental, a gente também transcende no que a arte nos oferece para emocionar as pessoas.

Barbara Reis como Rosa Parks, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

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Como foi ver o resultado do trabalho, deve ter ficado muito emocionante, não?

O resultado ficou mesmo muito emocionante. Diariamente, ao ver cada atriz e ator que chegava e oferecia o seu melhor eu ia entendendo mais o que era o projeto. Com cada profissional que entrou e trouxe uma opinião, uma contribuição, o programa foi ganhando uma força muito maior do que eu imaginava. Na ilha de edição, foi que a gente entendeu essa peça única que a gente criou e que é resultado, assim, de um esforço apaixonado coletivo. A paixão da Manuela pelo projeto me convenceu a aceitá-lo. Além disso, a gente selecionou esse elenco e foi vendo os profissionais colocando toda a sua paixão no projeto. Eu acho que essa paixão está presente no especial.

Silvio Guindane como Neilton, pai João Pedro, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Como foram escolhidos os atores e atrizes para interpretar essas falas? Precisaram de alguma preparação?

A minha escolha passa sempre pelo afeto. Todos são atores e atrizes talentosos. Com alguns, eu já trabalhei anteriormente, e tenho uma grande admiração por eles. Com outros, eu gostaria de trabalhar, são talentos que eu vi no teatro. E boa parte foi escolhida através de testes. A gente ia juntando a qualidade artística e um pouco da semelhança física. Procuramos atores que fossem bons contadores de história. Os movimentos de câmera e a cenografia foram pensados para trazer uma força estética, mas que valorizasse sempre as palavras ditas, que é o que vai fazer com que o espectador se envolva com o especial. Quando vou fazer um projeto, procuro vários atores talentosos que eu sei que existem e nem sempre têm o espaço que merecem. Eu sei da qualidade dos atores que tenho no meu país. O difícil foi escolher entre um e outro. Às vezes, havia duas pessoas muito qualificadas para um mesmo personagem. Felizmente, tenho convivido ao longo do tempo como artista e como espectador com vários talentos negros que estão aí e merecem todas as oportunidades. Eles contaram com a preparação da Tatiana Tibúrcio, que também está no elenco como Mirtes, mãe do menino Miguel, e tiveram aulas sobre os personagens com Aline Maia, consultora do especial.

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Fabrício Boliveira como Olaudah Equiano, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Que personagem da história faltou entrar no especial? Teve algum?

Quando cheguei ao projeto, ainda não tínhamos todos os nomes definidos, e foi muito legal porque a Aline Maia e a Thaís Fragoso, consultora e pesquisadora do especial, respectivamente, trouxeram novos personagens. Tínhamos algumas biografias e relatos escritos por outros, então o critério foi considerar textos que a própria pessoa tenha escrito ou dito. Todos que selecionamos são autobiográficos. Mas é claro que vai faltar gente. E as obras artísticas servem como estímulo. No final de O Topo da Montanha, meu espetáculo sobre Martin Luther King, a gente cita e homenageia alguns personagens históricos, mas sempre peço ao público para falar o nome de quem não está na lista, mas está em seu coração. Isso também faz parte da construção coletiva.

Ivy Souza como Nina Simone, no especial 'Falas Negras' (foto Victor Pollak/ Globo) 

Ouvindo todas essas falas, a que conclusão podemos chegar? A humanidade não tem futuro, ou tem?

Sobre o futuro eu não sei, e atualmente nem tenho pensado muito no futuro da humanidade, tenho pensado no presente da humanidade, e no que a gente pode fazer hoje. Acho que o especial é um passo nessa tentativa de a gente se pensar, pensar nos nossos desafios, nossos erros, nossos acertos, e mudar o hoje. Acredito que, se a gente estiver atento para mudar o hoje, a humanidade com certeza terá futuro. O especial é uma pequena contribuição para isso.

 

 

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