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Desculpe a poeira - Sugestões de leituras e outros achados

No aniversário de T. S. Eliot: "The Love Song of J. Alfred Prufock"

O escritor americano, brilhante ensaísta e poeta, faria aniversário hoje, dia 26. Leia uma tradução do poema "The Love Song of J. Alfred Prufock" [e veja uma leitura do original, disponível no YouTube]

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Por Ricardo Lombardi
Atualização:

Hoje, dia 26 de setembro, comemora-se o aniversário do escritor T. S. Eliot (1888 - 1965). Transcrevo aqui meu poema favorito dele, "The Love Song of J. Alfred Prufock", na tradução de Ivan Junqueira. Neste link, um vídeo de uma boa leitura do texto original.

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"Sigamos então, tu e eu, Enquanto o poente no céu se estende Como um paciente anestesiado sobre a mesa; Sigamos por certas ruas quase ermas, Através dos sussurrantes refúgios De noites indormidas em hotéis baratos, Ao lado de botequins onde a serragem Às conchas das ostras se entrelaça: Ruas que se alongam como um tedioso argumento Cujo insidioso intento É atrair-te a uma angustiante questão . . . Oh, não perguntes: "Qual?" Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas, A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo, Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta, Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés, Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou, E ao perceber que era uma tenra noite de outubro, Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haverá Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça, Roçando suas espáduas na vidraça;

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Tempo haverá, tempo haverá Para moldar um rosto com que enfrentar Os rostos que encontrares; Tempo para matar e criar, E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão; Tempo para ti e tempo para mim, E tempo ainda para uma centena de indecisões, E uma centena de visões e revisões, Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão A falar de Miguel Ângelo. E na verdade tempo haverá Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?" Tempo para voltar e descer os degraus, Com uma calva entreaberta em meus cabelos (Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!") - Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o queixo, Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete apruma (Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas! ") - Ousarei Perturbar o universo? Em um minuto apenas há tempo Para decisões e revisões que um minuto revoga.

Pois já conheci a todos, a todos conheci - Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes, Medi minha vida em colherinhas de café; Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono Sob a música de um quarto longínquo. Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci - Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase; Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete, Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede, Como então começaria eu a cuspir Todo o bagaço de meus dias e caminhos? E como iria atrever-me?

E já conheci também os braços, a todos conheci - Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados (Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam Com sua leve penugem castanha!) Será o perfume de um vestido Que me faz divagar tanto? Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam. E ainda assim me atreveria? E como o iniciaria?

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Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos De homens solitários em mangas de camisa, à janela debruçados?

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Eu teria sido um par de espedaçadas garras A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.

E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem! Por longos dedos acariciados, Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos, Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado. Após o chá, os biscoitos, os sorvetes, Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise? Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado, Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada) servida numa travessa, Não sou profeta - mas isso pouco importa; Percebi quando titubeou minha grandeza, E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu sobretudo. Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal, Após as chávenas, a geléia, o chá, Entre porcelanas e algumas palavras que disseste, Teria valido a pena Cortar o assunto com um sorriso, Comprimir todo o universo numa bola E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação, Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos, Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei." - Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro, Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer Não é nada disso, em absoluto."

E valeria a pena, afinal, Teria valido a pena, Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio, Após as novelas, as chávenas de chá, após O arrastar das saias no assoalho - Tudo isso, e tanto mais ainda? - Impossível exprimir exatamente o que penso! Mas se uma lanterna mágica projetasse Na tela os nervos em retalhos . . . Teria valido a pena, Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às pressas, E ao voltar em direção à janela, dissesse: "Não é absolutamente isso, Não é isso o que quis dizer, em absoluto."

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Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo. Sou um lorde assistente, o que tudo fará Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas, Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil manuseio, Respeitoso, contente de ser útil, Político, prudente e meticuloso; Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso; As vezes, de fato, quase ridículo Quase o Idiota, às vezes.

Envelheci . . . envelheci . . . Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.

Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um pêssego? Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei. Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

Não creio que um dia elas cantem para mim.

Vi-as cavalgando rumo ao largo, A pentear as brancas crinas das ondas que refluem Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.

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Tardamos nas câmaras do mar Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.

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