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Histórias e ficções

Spoilers: uma breve história desse mal contemporâneo

O mundo está cheio de spoilers, essas revelações inoportunas que podem estragar sua experiência de assistir àquela série ou filme que está bombando. É um perigo danado. Mas nem sempre foi assim.

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Por muitos milênios, a humanidade só contou e ouviu histórias em volta da fogueira ou da mesa. Nessa tradição oral, sem internet, cinema, TV e nem mesmo livros, não fazia o menor sentido falar em spoiler. As narrativas derivavam de mitos que todo mundo já conhecia, ou então eram inventadas ali, na hora, numa performance original do contador de histórias.

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Com o passar dos séculos, a leitura e a escrita foram avançando, mas por muito tempo continuaram restritas a uns poucos letrados. Mesmo se quisessem, as pessoas que tinham acesso aos livros não conseguiam dar spoiler, pois não havia muito como nem com quem compartilhar as histórias.

As coisas só foram mudar com a famosa revolução industrial, época em que os novos meios de comunicação e transporte começaram a ligar as pessoas no tempo e no espaço. Com o boom de ferrovias, telégrafos, jornais, revistas, romances, panfletos políticos e catálogos comerciais, as narrativas passaram a ser produzidas em escala industrial, para um público muito mais vasto, num território muito maior. Nasceu o sentimento de pertencer a uma nação, a uma comunidade que compartilhava as mesmas histórias, no mesmo idioma, mais ou menos ao mesmo tempo.

Esse processo de sincronização da cultura chegou ao auge no século XX, era de ouro da "cadeia nacional de rádio e televisão", quando umas poucas emissoras decidiam o que o país inteiro via e ouvia. Sem muitas alternativas, todo mundo acabava assistindo aos mesmos programas, lendo os mesmos jornais, escutando as mesmas músicas, adorando as mesmas celebridades. A tela da TV era a fogueira moderna, em volta da qual milhões de pessoas se reuniam para acompanhar a mesma história, na mesma bat-hora e no mesmo bat-canal. Nessa cultura sincronizada, como todos descobriam quem era o assassino da novela no mesmo minuto, ninguém conseguia dar spoiler de nada.

Mas, você sabe, a internet de banda larga mudou o mundo. Serviços de vídeo em streaming, canais de YouTube, rádios personalizadas... Com inúmeras alternativas, cada um vê o que quer, na hora em que bem entende. Assim, a comunidade se fragmenta em vários nichos e o tempo deixa de ser tão sincronizado. Mesmo que todo mundo assista à mesma série no Netflix, não será no mesmo dia, no mesmo ritmo. E é apenas aí que nasce o spoiler: quando a tecnologia permite que algumas pessoas contem para milhares de outras o que vai acontecer na história que elas viram antes de todo mundo.

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 Foto: Estadão

É estranho isso. Contamos histórias há milênios, mas o spoiler só foi aparecer outro dia, poucos anos atrás. Nasceu e cresceu neste mundo de tempos descompassados, neste mundo da "segunda tela", em que ficamos com um olho na TV e outro no celular, com um desejo incontrolável de compartilhar nossas impressões e pirações sobre a narrativa -- e, ao mesmo tempo, com um medo paralisante de tomar um spoiler de algum "amigo".

A plaquinha de spoiler alert!, tão singela e tão sofisticada, domina a paisagem da cultura contemporânea. Talvez seja o maior indício de que a maneira como contamos histórias mudou radicalmente. E, claro, essa nova maneira de contar histórias está começando a mudar o tipo de histórias que contamos. Mas vou parando por aqui. Não quero dar spoiler do próximo post. ;-)

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