Foto do(a) blog

Histórias e ficções

'Fragmentado' e a mais nova reviravolta de M. Night Shyamalan

Diretor parece ter descoberto que o único twist que lhe restava era mudar a própria ideia de twist

PUBLICIDADE

Por
Atualização:

Night Shyamalan ficou famoso com as mudanças radicais e inesperadas nos enredos de seus filmes, os chamados plot twists.

PUBLICIDADE

Em 1999, o cineasta deixou o mundo inteiro abismado com o final de O sexto sentido. Nos anos seguintes, continuou surpreendendo com Corpo fechado (2000), Sinais (2002) e A vila (2004). Sucessos merecidos e bem justificados, pois seus twists não eram apenas uma reviravolta no rumo dos acontecimentos. Eram uma "revelação".

Os antigos tinham um nome difícil para esse tipo especial de twist: anagnórise. Em grego, o termo significava o ato de "descobrir" ou "perceber" e indicava o momento da narrativa em que o herói -- e, junto com ele, a audiência -- fazia uma descoberta crucial sobre a verdadeira identidade de um personagem ou a verdade sobre sua condição. Bem mais elegante e profundo, Aristóteles definiu anagnórise como "a passagem da ignorância para o conhecimento", algo fundamental para o arco de aprendizado: o herói muda sua compreensão sobre a realidade que o cerca e nós mudamos nossa compreensão sobre a história que acompanhamos.

Só para ficar nos exemplos mais famosos: entre os antigos, Édipo descobrindo que matara o pai e se casara com a mãe. Entre os contemporâneos, Darth Vader dizendo a Luke e a todos nós: I am your father. Em O sexto sentido e A vila... bom, você sabe o que acontece...

Dizem que Shyamalan ficou refém desse tipo de sacada e passou mais de uma década acumulando filmes bem menos festejados pelo público e pela crítica. Mas agora, com Fragmentado, o diretor voltou ao topo, talvez não por acaso, com uma anagnórise que dá certo -- e que revela não só a verdadeira natureza dos personagens, mas também do mundo ficcional que habitam.

Publicidade

Depois de tantos sucessos e insucessos, Shyamalan parece ter descoberto que o único twist que lhe restava era mudar a própria ideia de twist. Dessa vez, conseguiu satisfazer a expectativa daqueles que sempre esperaram dele nada menos que o inesperado. O que fará na próxima?

Atenção: spoilers de Fragmentado depois da imagem.

James McAvoy e Anya Taylor-Joy, atuações memoráveis em 'Fragmentado' Foto: Estadão

Ao que tudo indica, a próxima vez será o terceiro filme de uma franquia insuspeita que começou lá no ano 2000. Explico: ao final de Fragmentado, Bruce Willis aparece como David Dunne, o herói de Corpo fechado, só para revelar que, na verdade, a história faz parte de um universo ficcional já conhecido.

É um belo twist. Você passa duas horas achando que está assistindo a um suspense psicológico mas, no finalzinho do filme, o diretor muda de gênero, e aí você se dá conta de que estava vendo a história de origem de um vilão e de uma heroína -- que, no próximo filme de Shyamalan, vão encontrar David Dunne e Mr. Glass para continuar a história que começou há 17 anos. Pelo menos é isso que os fãs já esperam ansiosamente.

Bruce Willis e Samuel L Jackson em 'Corpo fechado', de 2000. Se estreasse hoje, seria recebido como um sopro de inventividade num gênero dominado pelas fórmulas e escorregadas de Marvel e DC. Foto: Estadão

Agora fica difícil não tomar cada uma das palavras de Mr. Glass como um prenúncio não só da origem do "super-herói" David Dunne, mas também dos personagens de Fragmentado: "Vivemos tempos medíocres", Mr. Glass diz à esposa de David. "As pessoas estão perdendo as esperanças. Não conseguem acreditar que pode haver algo de extraordinário dentro de si mesmas. Espero que você fique de cabeça aberta".

Publicidade

Mais que isso, porém: as palavras ditas em Corpo fechado soam hoje como uma profecia da própria cultura pop, a pressagiar que as histórias em quadrinho seriam levadas a sério, que alguém faria filmes de super-heróis sombrios e realistas, que os estúdios de Hollywood ficariam sedentos por franquias e universos ficcionais expandidos e compartilhados.

A única coisa que a profecia não diz é como esse universo de super-heróis super-realistas de M. Night Shyamalan vai continuar. É improvável que ele, tão afeito às surpresas, faça uma sequência tradicional. Fiquemos de cabeça aberta. Vem algo extraordinário por aí.

 

Para outras histórias e ficções, me acompanhe no Twitter ou no Facebook 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.