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Um dia de crítico musical: Tim Bernardes, d'O Terno, resenha o show do Fleet Foxes

O Terno está em Nova York para dois shows. O primeiro ocorreu no último domingo, 6, no Nublu, com participação de Liniker e os Caramelows. O segundo será realizado nesta quinta, 10, no lendário Lincoln Center. Em ambos, a participação da banda paulistana, cujo último disco se chama Melhor do que Parece, integra a programação do festival Brazil Summerfest.

Por Pedro Antunes
Atualização:

Tim Bernardes, vocalista e guitarrista da banda, descobriu um apresentação do Fleet Foxes durante a estadia do grupo por NY e quis vivenciar o outro lado. Na noite de 2 de agosto, no Prospect Park, no Brooklyn, ele não era Tim, o artista. Era Tim, o crítico musical.

O Terno, em NY 

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+ Leia mais: há dois anos, Tim Bernardes e Guilherme D'Almeida resenharam o show de Mac Demarco, em São Paulo

Em tempo, no próximo dia 11, sexta, o Tim ainda faz um show solo (vem disco novo logo mais!) no Joe's Pub, localizado na icônica Lafayette St.

Abaixo, as impressões de Tim Bernardes sobre o show do Fleet Foxes, cujo novo disco, o ótimo Crack-Up, foi lançado há poucos dias.

Fleet Foxes no Prospect Park (Brooklyn, NY, 2 de Agosto de 2017)

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por Tim Bernardes, d'O Terno

Meus amigos mais próximos sabem que são raras as bandas atuais que eu realmente amo e idolatro como é o caso dos Fleet Foxes. Pra um garoto que cresceu apaixonado por bandas e artistas dos anos 1960 e 1970, ser fisgado com a mesma potência por essa banda americana de Seattle, formada pra lá do ano 2000, é especialmente empolgante (pós-formação retrô, enfim viver a própria época!).

Os Fleet Foxes são um fenômeno interessante no indie atual. Numa cena de muita efemeridade, modismos, excentricidades, pose e superficialidade, eles construíram em poucos anos um público enorme com seu folk de letras existencialmente profundas, melodias maravilhosas e arranjos emocionantes.

Quando soubemos do show dos Fleet Foxes na mesma semana que estaríamos em Nova York para tocar com O Terno, logo garantimos os ingressos e fomos para o Prospect Park, no Brooklyn, assistir à apresentação da banda.

O local era uma antiga concha acústica no parque que já há algumas décadas recebe muitos grandes shows a céu aberto nos verões nova-iorquinos. Hoje, sob a concha, um enorme palco, moderno e bem equipado, foi armado para entregar um potente som para as mais de 5 mil pessoas que o espaço pode abrigar.

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Então pensem nisso: os Fleet Foxes, banda de canção-folk-progressiva, com arranjos meio eruditos, meio emoção pura, de fora do mainstream, estavam ali esgotando ingressos de 50 a 150 dólares, em duas noites de parque lotado de gente atenta (mais de 10 mil pessoas, somando os dois shows), assistindo ao show de olhos brilhando.

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Também não era por menos. Crack-Up, terceiro disco da banda, quebra o hiato de seis anos no qual ela se encontrava desde Helplessness Blues, o excelente álbum de 2011. Os fãs - eu incluído - já estavam desacreditados de que a banda fosse voltar algum dia.

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Robin Pecknold, o cantor e compositor que lidera o projeto, sumiu dos palcos e da vida pública desde então, num processo interno e contrário ao movimento que a cena e o sucesso da banda lhe propunham. Nesse tempo, o compositor se mudou de Seattle para Nova York, onde voltou para a faculdade de música e se dedicou a outras atividades.

Chegar de volta, de repente, com esse disco que é uma pedrada sublime, foi uma volta comovente daquelas que só O Portão, do Roberto Carlos, sabe explicar. Esses dois shows foram os primeiros desta nova fase, na cidade onde ele morou nesse meio tempo, e onde parte do disco foi gravada.

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Com esse ânimo e carga emocional a plateia recebeu, com o sol se pondo, o show nesta quarta, dia 2 de agosto. Um quarteto de metais (dois trompetes e dois trombones) - o mesmo que gravou Crack-Up - entrou sozinho e começou a introdução para a primeira música, feita especialmente para o show.

Os Fleet Foxes entraram aplaudidíssimos e se juntaram ao naipe para começar o show com as três primeiras músicas do novo disco: "I Am All That I Need", "Arroyo Seco" e "Thumbprint Scar". "Cassius, -" e "Naiads, Cassadies" vieram emendadas.

Impressionante como a banda bombardeia a plateia com uma potência sonora chocante; dez músicos jogando uma parede sonora sobre o público. Ao mesmo tempo, quanta beleza e minúcia melódica existem em cada detalhe do som que a banda constrói...

O show foi música boa de cabo a rabo, com duas horas de duração, e ainda teve hit que ficou de fora do set list. "Grown Ocean", single que encerrava o segundo disco e de alguma forma anunciava o possível hiato da banda que logo se concretizou, foi dos momentos mais emocionantes do show, ainda no início do set.

As pessoas cantavam comovidas todas as letras a plenos pulmões. Era também bonito de ver o silêncio e a atenção de todos entre as músicas. Pessoas da plateia (com quem Robin conversava quase como se estivessem numa casa de show para 50 pessoas e não num parque lotado) às vezes gritavam pedidos de músicas ou frases carinhosas para receber a banda de volta.

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A mixagem do som no P.A. por vezes deixava a desejar quando a banda crescia a pontos que engoliam o volume da voz, o que não deixava de destacar a dinâmica da banda e a beleza dos volumes mais baixos. Destacaram-se, também, os momentos em que a banda saiu do palco deixando apenas Robin para cantar algumas músicas só voz e violão.

Isso não é linguagem jornalística, mas esse mano canta para caralho (nota do blog: hahaha, sim!). Os reverbs maravilhosos, marca da banda, estavam brilhando ali, engrandecendo o som das vozes e deixando tudo daquele jeito sagrado e dos anjos bem como a gente gosta quando ouve discos do Clube da Esquina.

O show é um espetáculo impecável: cenografia, luz, som, projeções, roadies completamente ninja e ensaiadíssimos nas diversas trocas de guitarras (comentário de guitarrista: uma mais velha e maravilhosa que a outra, show à parte).

A plateia estava muito inteira e entregue à música. Era divertido ver grupos de patricinhas americanas cantando canções de oito minutos lado a lado com grupos de meninos hipsters de NY que fariam qualquer hipster de São Paulo parecer um escoteirinho careta. Enfim, bonito de ver como uma banda que constrói sua música e seu trabalho com carinho, esmero e amor acaba gerando uma audiência especialmente carinhosa e musical.

Depois de uma bela seleção de músicas de toda discografia, os Fleet Foxes encerraram o bis com a complexa e exuberante faixa-título, "Crack Up", que fecha também o novo álbum. Inclusive, acho que esse é um bom jeito de definir o som dos Fleet Foxes hoje: complexo e exuberante.

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Nesse nosso momento e geração como jovens no século 21, no qual tudo está muitas vezes no registro do superficial, rápido, raso, polarizado e simplificado, os Fleet Foxes estão soando e falando nessa complexidade do que se sente no meio de tudo isso. E de uma maneira tão profunda quanto lindamente assimilável.

Os Fleet Foxes e a multidão que os acompanha mostram que estão aí pra ficar. Que nossa geração não é simplesmente "millenium e líquida", que existe muita complexidade e beleza nos sentimentos, sonhos e vontades desse pessoal que está amadurecendo nesse tempo maluco e conectado, tentando criar o próprio rumo e uma própria história no meio de tudo isso.

Robin Pecknold comunica muito disso muito bem, e não é pouca gente se identificando. Bonito de ver; são os maiores.

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