Pedro Antunes
24 de outubro de 2017 | 09h25
“Tá tudo bem.”
É o que eu sempre digo.
Repito quase como um mantra
Algo para internalizar as questões corriqueiras, que não merecem preocupação.
Mas dizer isso olhar para o umbigo demais, não é?
Esquecer do resto do mundo.
A verdade é: não tá tudo tão bem assim.
Lara Aufranc, ex-Ultraleves, masca chicletes, pensa na vida e pede passagem; ouça o novo disco
O tapa de realidade vem com Rafael Ops, ou somente Ops, artista, DJ e agitador cultural de Brasília, com seu disco de estreia, lançado com exclusividade aqui no blog Outra Coisa.
Não Tá Tudo Bem – o título pinçado de uma das músicas mais afiadas do trabalho – inicia o processo de “nãotátudobenzação” proposto por ele no álbum já no título.
E a verdade é que não está, mesmo.
Ops não pisa no freio, sem se apazigua ao apontar as feridas abertas, seja no consumismo (em A Sua Culpa), na apatia intelectual (em O Seu Remédio), sobre o aquecimento global (em Sobre o Fim do Mundo) e sobre a intolerância religiosa (em Não Tá Tudo Bem).
Os temas estão aí, no nosso entorno. O que Ops faz é abrir a cachola de quem o ouve e o coloca para pensar um bocado. O pessimismo é inerente e inevitável, mas não absoluto. Nem maniqueísta demais.
O álbum sugere o seguinte movimento: pare, pense, respire, dance, transpire. Em looping.
As canções se constróem a partir das experiências sonoras acumuladas pelo artista ao longo da vida. Fora da caixinha, Ops ergue suas canções sobre bases de zouk e reggaeton.
Tum, tá tá, tum tá tá.
E, com isso, dá um nó. Ué, é para dançar ou para pensar? As duas coisas andam juntas. Em sua estreia solo, Ops abre sua caixa de surpresas. Vomita seus versos feridos. Espalha-os e alonga-os nos beats acelerados. Deixa as fórmulas de lado.
Até o amor é descontruído. Reconstruído, reerguido. Neste caso, para o bem. Destrói o patriarcado vigente com sagacidade ao inverter os valores ultrapassados. É ele, o esposo, quem espera pela esposa em csa. Submisso, como um cão.
Pontaço para Ops.
Assista ao vídeo:
E Ops lança uma dobradinha aqui no Outra Coisa. Além do disco, que pode ser ouvido no player disponível fim do texto, lança também o clipe de Sobre o Céu, a canção responsável por encerrar o álbum.
No vídeo, um drone segue lentamente se aproximando de um prédio, de uma janela. Nela, Ops dança desengonçado, nosso Thom Yorke brasileiro. Confira – e repare nas últimas palavras ditas ao fim da música.
Quando flautas já adocicam o final da canção e do disco, surge uma voz:
“Amor. Somente o amor”.
É é o fim do ciclo, em um disco de 28 minutos.
Abre-se com “Olha a sua volta /Tem alguém aí?”, da primeira faixa A Sua Culpa. Uma experiência de tirar o olhar do próprio umbigo um pouco.
E, no final de tudo, está o amor.
É a chave. A única solução possível.
É, não está tudo bem. Infelizmente.
Mas há uma saída.
Ouça o disco completo de Ops, Não Tá Tudo Bem:
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