Pedro Antunes
30 de agosto de 2018 | 08h59
O mar de Caymmi é bonito. Também é perigoso.
Dorival, o gênio, retumbava como soa uma tempestade em alto mar, quando assim queria. Era sereno também. Líquido, fluído, instável.
É uma aventura musical interessante, portanto, para o Quartabê, quarteto instrumental formado por Mariá Portugal (bateria, voz e coquinho), Joana Queiroz (clarinete, clarone, voz e coquinho), Maria Beraldo (clarinete, clarone, voz e coquinho) e Chicão (teclas, voz e coquinho).
É uma aula e também uma oportunidade de desenvolvimento. Dentro dessa sinuosidade e periculosidade “caymminiana”, o Quartabê se desmonta e se refaz, musicalmente falando. Solta, agora, com exclusividade no blog, Lição #2: Dorival, o terceiro trabalho do quarteto, realizado com auxílio do edital Natura Musical e lançado com o Selo RISCO.
Em 2015, eles se aventuraram pela obra de Moacir Santos. Tiraram da cartola o excelente Lição #1: Moacir.
Dentro dessa dinâmica de sala de aula que o quarteto insere no seu trabalho, como aprendizes dos grandes mestres da música, o segundo lançamento foi Depê (como se estivessem cursando novamente as aulas para garantir a nota final e concluir a disciplina).
Deu certo, eles chegaram na segunda lição, afinal. Com Dorival, eles não vão no caminho óbvio, mesmo que ele, o mar esteja ali, revolto ou calmo.
Diluído ou escancarado, Dorival é esmiuçado pelo quarteto na empreitada e diluído dentro de uma estética já própria do Quartabê.
Tome de exemplo Morena do Mar, canção de Caymmi. Como no Modernismo e no Tropicalismo, o que o Quartabê faz é engolir a referência para tomar parte de si ao regurgitá-la. Ela volta irreconhecível, à princípio.
Mas mantém a tensão (e talvez um tesão?) nos barulhinhos que desenham um universo estético tão distante de Caymmi na versão da banda. E, ainda assim, caso o ouvinte se deixe levar, é possível encontrar o artista ali também.
Sem obviedades e deliciosamente desafiador, Lição #2: Dorival é um acerto enorme do Quartabê. O mar de Caymmi é revolto, pode cuspi-lo para a areia, para as pedras ou sugá-lo para baixo, mas, quando você o domina (e o respeita), ele “é bonito, é bonito”.
Ouça Lição #2: Dorival:
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