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[Outra história] O grande 'e se'

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Querido Diego, como vai?

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Não nos falamos há quanto tempo? Três anos? Acho que sim.

Não liguei porque não sei se gostaria de ouvir a sua voz. Talvez ela já não seja como eu guardo na lembrança. Prefiro ter comigo a minha versão de você.

Sim, três anos se passaram. Vim viver meu grande "e se", como você disse naquela última vez. Vivemos bem. Vivemos felizes. Eu e Josh temos muito em comum, gostamos das mesmas caminhadas na praia pela manhã, filmes no sofá ao fim do dia. Tudo aquilo que planejamos tem se realizado, entende?

E acho que você estava certo. Não sei se seria capaz de viver o que tivemos com o fantasma de Josh me perseguindo quando deitasse a cabeça no seu ombro para dormir. Seria inevitável imaginar como seria a minha vida se tivesse aceitado o convite dele para viver na Califórnia. Teria ainda aquele emprego imprestável? Passaríamos nossos dias correndo para pagar as contas e o aluguel? Cairíamos naquela rotina na qual os casais costumam se perder?

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Lembro muito bem da nossa última conversa. Quando você disse que me amava. Tomou toda a coragem do mundo e soltou as três palavras, "eu amo você", quase de uma só vez. Achei que estava sonhando naquele momento. Algo mexeu dentro de mim. Nó no estômago. O coração, eletrocutado, vibrava. Não soube o que responder, você se lembra disso? Também amava você, é claro. Mas sempre há um "mas". O meu era Josh. E você sabia disso.

Você continuou o discurso. Amava-me mais do que poderia imaginar. E tudo foi tão rápido, não foi? Logo já desejávamos ter todas as noites juntos. Transávamos muito bem. Acordávamos muito bem. Percebia, contudo, que era difícil para você lidar com a ideia de que um dia qualquer eu talvez saísse da sua vida tão repentinamente quanto entrei. E voassem para longe. Mais de 6,4 mil milhas de distância - vi o número no avião no dia do meu voo para cá e guardei ele comigo. Assim, quando pensava em você, lembrava dessa numeralha toda. Estávamos tão distantes.

 

Talvez você quisesse me proteger quando terminou comigo na mesma noite na qual disse que me amava. "Eu amo tanto você que quero que você seja feliz. E, às vezes, amar é deixar a pessoa amada amar outra", você disse. E assim você me libertou de você para que vivesse aquilo que havia idealizado. Para que viesse para cá.

Não que precisasse de você para isso, entenda. A decisão era minha. E só minha. Tudo bem, paciência. 

Pensei muito sobre aquela noite. E acho que você também estava encolhido pelo medo. É assustador gostar de alguém. Mais amedrontador é a ideia de que talvez esse alguém um dia vá embora. Não faz sentido, contudo, interromper algo por medo. É assustador atravessar uma ponte sem saber o que há do outro lado, mas achei que você era do tipo determinado a atravessá-la só para saber o que havia lá. Confesso que fiquei um pouco decepcionada contigo naquele dia. Com o passar do tempo, entendi.

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Você não queria que eu fosse atormentada por uma vida que poderia ter tido. Uma vida ao lado do Josh. E, tendo vivido três anos dessa vida, acho que posso dizer que ela é boa. Ensolarada - às vezes até demais - e divertida. É leve, entende?

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Já não tenho você em redes socais tampouco. Então, não sei como você está. Percebo-me pensando muito em você. Com frequência, em certos momentos. Principalmente quando olho para as estrelas. Você sempre gostou olhar para elas antes de dormir. E você ficava lindo debaixo daquela luminosidade branca, de torso nu e um sorriso no rosto.

Escrevo esse e-mail porque há alguns dias eu tive uma revelação. Jorro essas ideias sentada em um café daqueles que você adoraria conhecer. Entendi o que acontecia dentro de mim. Percebi a existência de um buraco aqui. Entendi que Josh não é meu grande 'e se'. Meu grande 'e se' é você. E eu perdi você.

Espero que esteja bem.

Com amor - e, sim, eu amo você -, Camila

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(Todas as sextas-feiras, o Outra coisa traz o Outra história, um punhado de palavras que, reunidas, talvez tentem fazer algum sentido)

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