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[Outra história] 2016, o ano em que perdi David Bowie e Leonard Cohen

Um era companhia para os dias solares. O outro, para os momentos mais sombrios 

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Ouça enquanto lê:

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Um era a companhia para os dias solares, aqueles que exigiam uma grande transformação, mudança ou uma necessidade de, nem que seja por uma noite, ser alguém que não era.

O outro, a companhia para os momentos sombrios. Os foras recebidos por namorados, madrugadas em claro a devanear sobre os tapas no rosto que a vida me dá de vez em quando.

O ano de 2016 levou embora tanto. Não precisava levar esses dois. David Bowie e Leonard Cohen poderiam estar por aqui mais um pouquinho. Pelo menos, até essa nuvem esquisita, mais uma, passar.

O ano de 2016 também não precisava levar você.

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Você era a companhia para os dias solares e momentos sombrios.

Sempre foi reconfortante ouvir notícias de Cohen e Bowie, mesmo que o último estivesse sumido por muito tempo. Era bom sonhar com a oportunidade de, um dia, vê-los ao vivo. Imaginava quantas lágrimas derramaria em estar frente a frente com eles.

Criava shows particulares de cada um deles. Selecionava as canções que gostaria que integrassem um show de Cohen e Bowie. Resgatava alguns lados B, montava repertórios baseados em diferentes fases e épocas da carreira de cada um deles.

Colocava as playlists para tocar, fechava os olhos, e imaginava eles na minha frente. Um show solo, só meu.

Bowie, nos meus dias alegres, se vestiria com as roupas mais icônicas da carreira, passearia pelos anos de Ziggy Stardust, Aladin Sane, até o visual mais sóbrio e sombrio do seu disco mais recente.

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Ouça enquanto lê (2): 

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Cohen envelheceria na minha frente, sempre com seu terno preto, bem cortado, chapéu também de cor escura a cobrir a cabeleira que aos poucos iria se tornar branca. Famous Blue Raincoat nunca sairia do repertório, que no fim passaria a incluir as canções desse último disco dele, You Want it Darker, tenebrosamente sombrio.

Em 2016, passei a acrescentar você nesse cenário imaginário. Ali, sentado do meu lado, o braço sobre os meus ombros, a passar os dedos pelos meus cabelos. Vez ou outra, você me daria um beijo no ombro, cheio de carinho, como sempre fazia quando assistíamos a algum filme na sala de casa.

Leonard Cohen e David Bowie ao menos tiveram a decência de se despedir devidamente. 2016 foi misericordioso comigo nesse ponto.

Cada um deles deu indícios de que o fim estava chegando. Por mais que eu não quisesse acreditar naquilo que ouvia, tudo estava lá.

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Bowie e seu Blackstar, a estrela negra, extinta, transformando a transição entre a vida e a morte em arte no seu estado mais puro. Levei meses para ser capaz de ouvir aquele álbum de novo. Hoje, passado algumas fases do luto, é possível colocá-lo para tocar de novo.

Cohen, aquele mentiroso adorável, disse ter brincado quando afirmou estar pronto para a morte. É um canalha. Acreditei. Fui estúpida. Estava tudo lá, em You Want it Darker, o disco saído em setembro. Ele se despedia, dizia, sim, estar pronto. E, por fim, chorosamente lamentava um último amor não correspondido.

Há algo lindo em perceber que alguém, ao fim de uma vida de 82 anos, decide que suas últimas palavras, ou uma espécie de pedido de desculpa, sejam por um amor desajustado. Entre tantos arrependimentos que alguém pode guardar ao longo de mais de oito décadas de vida bem vivida, como o caso dele, aquele amor era o maior.

Torci para que a mensagem de Cohen em String Reprise / Treatytenha sido recebida por aquela a quem ele se referia. Que pelo menos ela soubesse que, sabe-se lá quantos anos depois do fim, ele ainda pensava nela.

Ouça enquanto lê (3): 

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Derrubei uma lágrima aqui. Desculpa, foi inevitável não ficar emocionada ao pensar nisso de novo.

Eles deram os sinais. Avisaram da partida. Eles se despediram. Num adeus dolorido, mas digno.

2016 tirou você de mim sem que estivesse preparada para isso - da mesma forma como você chegou e eu não sabia o que fazer com aquilo que tínhamos.

Não houve sinal. Não houve alerta. Não houve nada. Beijávamos e transávamos daquele jeito apaixonado até outro dia. De repente, você partiu. Disse que precisava ir embora. Levou suas coisas que ainda estavam na minha casa. Devolveu as minhas que ainda estavam na sua.

Rompeu aquela conexão, tal qual Bowie e Cohen. 2016, você não vale nada, mesmo.

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Dói saber que nunca conseguirei estar frente a frente com nenhum dos três de vocês. Às vezes choro pensando nisso. Às vezes, escrevo.

Ouça enquanto lê (4):

Bowie e Cohen me deixaram seus discos. É para eles que corro quando sinto essa saudade. Quando estou em um dia feliz, Bowie me sacode. Quando a noite é escura, Cohen acalenta meu sofrimento ao se mostrar tão machucado quanto eu.

De alguma forma, isso me conforta.

E esse é o problema.

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2016, o ano em que perdi Leonard Cohen, David Bowie e você.

Sobre os dois primeiros, tenho minhas formas criadas para curar a ferida.

Ainda me falta descobrir o que fazer com esse buraco deixado pela sua partida.

2016, que ano.

(Quase todas as sextas-feiras o Outra Coisa se transforma em Outra História, principalmente naquelas sextas-feiras nas quais o autor do blog prefere dedicar seu horário de almoço à urgência de escrever algumas bobagens)

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