Era quase uma certeza.
Talvez Jair Naves não sobrevivesse a um show do Ludovic daquela primeira década dos anos 2000.
O vocalista e letrista da banda paulistana era só suor e entrega no palco. Sangue e lágrimas também - quem há de dizer o contrário?
Da primeira demo gravada em 2001, o Ludovic cresceu no boca a boca. Um amigo descolado contava para outro que curtia punk rock inglês. Os fãs de hardcore também ficaram sabendo daquele quinteto. Havia também sempre alguns fãs de grunge e seus camisas xadrez presentes naqueles poucos espaços para a música alternativa em São Paulo onde a banda se apresentava.
Todos, ali, suavam com Naves e companhia. Uniam-se pela dor de versos expurgados de dentro do vocalista.
Com Servil, em 2004, o grupo estabeleceu sua própria cena e personalidade. Idioma Morto, o segundo álbum, veio dois anos depois. O disco, que comemora sua década de existência nesta quarta-feira, 7, foi gravado entre fevereiro e maio de 2006.
"O instrumental foi quase todo registrado em dois dias", relembra Jair - que, sim, está vivo (hahaha!) e com uma sólida carreira solo (leia mais aqui). "Levamos mais tempo para a voz. Algumas das canções tiveram duas ou três versões diferentes de letras e para a mixagem. O que foi uma indecisão quase torturante."
Torturante, diz Jair. E a palavra, escolhida ao acaso ou não, reverbera há uma década. E é sobre uma outra tortura, emocional muitas vezes, a qual ele canta (ou cospe) em Idioma Morto. "É o maior fiasco de que se tem notícia", admite Jair em Qorpo-Santo de Saias, uma das canções escolhidas por ele para representar mais aquela época.
"Tanto o fato de sermos então muito jovens quanto a época em que atuamos foram determinantes para tudo que caracterizou a banda", explica Jair. "Na primeira metade da década passada, o cenário independente ainda estava bem longe de se profissionalizar. Acho que nenhum músico envolvido naquilo tinha a menor expectativa de transformar sua banda em uma profissão, seria um delírio vislumbrar uma carreira naquele ambiente."
A juventude, aliada a inexperiência, levou Jair a se entregar com aquilo que tinha. "Eu ainda estava me descobrindo como cantor e compositor. Acreditava que a entrega compensaria minhas limitações nessas duas frentes", ele concorda. "Olhando pra trás hoje, acho que eu estava certo. Vejo que a intensidade e a honestidade das letras e das performances foi o que mais cativou as pessoas, é o que nos faz ser lembrados até hoje."
Com parte da formação de 2006, o Ludovic volta a alguns palcos para comemorar os 10 anos de Idioma Morto. Jair Naves (voz e baixo), Eduardo Praça (guitarra), Zeek Underwood (guitarra) e Rodrigo Montorso (bateria) se apresentam neste mês de setembro em Brasília (dia 23), em Goiânia (no festival Vaca Amarela, dia 24) e Uberlândia (dia 25).
Ouvir Janeiro Continua Sendo o Pior dos Meses, outra do trio de escolhidas pelo próprio criador, em 2016, machuca já pelo riff de guitarras, tanto quanto naqueles meses de 2006 - o que dizer, então, do janeiro de 2007?
"Quando eu estiver desprevenido, volta e acaba comigo / Lembra como você era boa nisso? / Foi tudo um ledo engano, ela tem novos planos / Irreconhecivelmente otimista", canta Jair na faixa. "E eu, preso no mesmo lugar, milhões de cortes pra estancar, regando flores mortas, beijando fotos / Ninguém pode me culpar".
Idioma Morto é um disco diante do qual é impossível ficar indiferente. Há o estranhamento gerado pela voz única, grave, por vezes falada e em outras gritadas de Jair Naves, e pela estética sonora de guitarras barulhentas e de pontas soltas.
Jair rasteja, implora, lamenta. E isso se sente em cada canção. "Você então me interrompeu: 'Faça um favor a si mesmo, não me force a dizer nada, o que eu sinto é só desprezo'", diz a letra de Nas Suas Palavras. "Pena que me levou tanto tempo pra ver quem você é".
Ainda que a dor daquele 2006 eventualmente exista, Idioma Morto sobreviveu. Jair e o restante dos integrantes idem.
E nós também.
Ouça o aniversariante Idioma Morto: