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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Um assombro literário do Bram Stoker de Osasco

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Vez por outra a literatura fantástica brasileira nos toma de assalto com uma prosa que impõe medo a partir da elegância, como é o caso de Estrela da Manhã, uma espécie de Deixa Ela Entrar em forma de palavras e temperado por uma brasilidade cinzenta, sem folclore, sem quer ser "macumba para turista". Recém-editado pelo selo Calíope, o romance representa um passaporte para a metafísica, carimbado pelo Bram Stoker de Osasco, o escritor André Vianco. Best-seller no reino dos vampiros, graças aos livros Os Sete e A Casa, ele troca os caninos afiados por um anjinho caído, que lembra um bocado o Arcanjo Gabriel de Christopher Plummer em Anjos Rebeldes (1995). Com jeito de querubim, ele vem abençoar Rafael, adolescente que sofre bullying na mão dos colegas de escola com um pouco de paz. Mas a harmonia chega com cheiro de morte, abatendo implacavelmente todos os que tiram sarro da fragilidade de Rafael, a um ponto que, a cada novo coágulo derramado, o ferrabrás pode condenar as almas de toda a raça humana. Este ensaio sobre o chamado da Escuridão (que se confunde com o despertar para a perda da inocência) é construído com um domínio do suspense nas raias do thriller hitchcockiano.

O autor André Vianco Foto: Estadão

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Nestes tempos de vacas magras para os quadrinhos de banca em termos qualitativos, os parágrafos deste Nosferatu paulista compensam a anemia que raleou o sangue das HQs, apresentando-se como uma alternativa de prazer às tribos do pop ou mesmo para os leitores leigos na praça do terror. O que fica de mais sólido, fora as artimanhas narrativas para assombrar e fora a boa dosagem de tempero psi freudiano nos diálogos, é a habilidade de Vianco para criar personagens tridimensionais, que perduram para além da trama. Estrela da Manhã é um anjo mau evocado via smartphone, numa irônica reflexão sobre a dependência da tecnologia. Seu olhar para a juventude traz uma leitura imbuída das especiarias da paternidade, com o alarmismo de quem vê a falta de perspectiva das novíssimas gerações e se preocupa com ela. Mas é uma preocupação afetiva, capaz de adicionar traços de melodrama ao enredo deste livraço sobre pessoas acuadas... como todos nós.

 

p.s.: Zapeando a TV hoje, vi que o canal Max estava exibindo Sr. Turner (Mr. Turner), o último (e visualmente esplendoroso) longa-metragem de Mike Leigh, sobre o pintor J. M. W. Turner. Inédita no circuito nacional, a produção rendeu o prêmio de melhor ator para Timothy Spall no Festival de Cannes de 2014. A nossa sessão do filme será no dia 20 de maio, às 22h. Mas vale a espera.

Timothy Spall foi premiado em Cannes por "Sr. Turner" Foto: Estadão

p.s. 2: Já que o papo de abertura aqui foi via livro, outro bom exemplar da literatura nacional de fantasia terá uma exposição de gala na Bienal do Livro de Minas Gerais (15 a 24 de abril, em Belo Horizonte. Trata-se da aventura Os Portões do Inferno (ed. Rocco), de André Gordirro. Ele vai debater sobre o romance e sobre o gênero lá no dia 16 de abril, às 14h30m, ao lado de Bianca Pinheiro e Samuel Medina.

 

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