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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Thanos venceu: a 'Tela Quente' é dele

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Leonardo José da voz ao titã Thanos, vivido por Josh Brolin em CGI: seu estalar de dedos condena o universo Marvel Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Adquirido pela Disney, que detém os direitos do império "Star Wars", a Marvel sempre sonhou ter um Darth Vader pra chamar de seu, uma vez que sua maior concorrente na venda de gibis - e, hoje, também na venda de ingressos -, a DC Comics, viu o Coringa, Lex Luthor, Darkseid e Arlequina tornarem-se celebridades em múltiplas mídias, páginas e telas. Mas com "Vingadores: Guerra Infinita" ("Avengers: Infinity War"), cuja bilheteria passou de US$ 2 bilhões (para ser exato, ele rendeu 2.048.359.754 dólares), em 2018, a Casa das Ideias realizou seus objetivos. E muito bem. Quem conferir o longa-metragem dos irmãos Anthony e Joe Russo na "Tela Quente", às 22h35 desta segunda, vai ter um entendimento de sua grandiosidade como espetáculo fílmico. O temível Darth Vader deste épico estelar de super-heróis é Thanos, um titã cujo interesse não é acumular bens ou tornar-se o senhor de todo o universo. Sua meta fica no arame farpado da ética: destruir sociedades que foram maculadas pela decadência, inclusive a Terra. Há duas décadas, quando Steven Spielberg produziu o hoje cult "O Pacificador", usou-se uma premissa que se aplica aqui a este genocida das galáxias: "Como se lida com um terrorista que não faz exigências, pautado apenas pelo dever de matar?". Nestes tempos de covid-19 e crise (econômica e moral) aqui e lá fora, o Marvel Studios se afina com as inquietações de nosso tempo e reage a ela criando uma figura vilanesca que arrebata nosso olhar a cada cena graças à atuação em CGI (Computer Generated Imagery, efeitos digitais que simulam expressões humanas) de Josh Brolin. Aos 53 anos, o ator californiano revelado como galã adolescente em "Os Goonies", em 1985, e consagrado como um dos intérpretes fetiche dos irmãos Coen (a partir de "Onde os fracos não têm vez") bota Robert Downey Jr. (o eterno Homem de Ferro) e seus parceiros da equipe mais poderosa das HQs no bolso. Sua atuação, com olhares de dor e sorrisos de glória, é memorável. E essa força é preservada na versão brasileira, com Leonardo José dublando Brolin. O dublador beirou a excelência ao dublar Clint Eastwood em seu lendario "Os Imperdoáveis" (1992). Mas, aqui, ele se supera. Vale lembrar que o filme é um díptico com "Ultimato", de 2019, que faturou US$ 2,7 bilhões.

 Foto: Estadão

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Fervido a litros de adrenalina, aquecida em sequências de ação, perseguição e fuga afoitas por roubar o fôlego alheio, "Vingadores - Guerra Infinita" deu espaço a um diálogo memorável. Há uma fala na qual Thanos encara o Homem de Ferro e chama o terráqueo pelo nome, "Tony Stark", sendo interpelado por Robert Downey Jr. (sempre ótimo em cena) com uma expressão interrogativa, num "de onde você me conhece?", algo assustador para ele e para a plateia. Construído por Josh Brolin com tônus trágico, num esquema de motion capture (técnica na qual os movimentos de um ator são registrados num software que redefine estes gestos a partir de efeitos digitais que descaracterizam seu visual), Thanos vira para o herói e diz: "Você não é o único que foi amaldiçoado com o dom do conhecimento".

Thanos sabe muito, pois, há eras, ele estuda o que de pior as civilizações têm: a vaidade. É dela que vem a decadência. E o papel que atribuiu a si mesmo no Universo é varrer da História povos decadentes. Muita gente... Nos quadrinhos de Jim Starlin, Thanos fazia isso por amor: ele se apaixonou pela Morte em pessoa, de osso, foice e capuz. Matava para poder cortejar sua amante. No longa em duas partes dirigido pelos manos Joe e Anthony Russo, a Indesejada das Gentes não é citada. Thanos destrói planetas por ideologia. Ele é a encarnação - talvez a mais sombria tradução da vilania que o cinema de tintas fantásticas elaborou desde Lorde Vader - do fundamentalismo, o inimigo número um do mundo quando o assunto é terror... terror real. Thanos é a metáfora da América de Trump, que parece ter acabado em janeiro, com a entrada de Joe Biden na Casa Branca. Thanos quer remover o que incomoda, sem pesar as consequências.

 Foto: Estadão

Ao assumir como personagem central a figura de um terrorista que não faz exigências, confiada a um ator em estado de graça como Brolin, a Marvel deixa explícita sua reta de maturidade, em busca de trama menos calcadas em onomatopeias (Soc! Pow! Pum!) e mais interessadas em verticalizar conflitos existenciais e políticos. Seu reinado no cinema começou, silencioso, há 23 anos, quando Wesley Snipes juntou tostões para filmar "Blade - O Caçador de Vampiros" (1998). Ali, pavimentou-se o caminho para a fauna de mascarados de Stan Lee ganhar corpo e alma no cinema. Mas, desde o seminal "Logan" (2017), a editora/estúdio abriu a deixa para discutir temas mais cortantes do que o maniqueísmo. Laureado com os Oscars de Melhor Trilha Sonora, Direção de Arte e Figurino, "Pantera Negra" (2018), com sua veia racial festiva, foi o ápice da transformação do estúdio na trilha do amadurecimento. E o novo "Os Vingadores", que ganhou sua parte dois (ainda mais ousada) em 2019, foi pelo mesmo caminho, tendo em Chris Hemsworth - mais inspirado do que nunca no papel de Thor - o herói de maior vigor nesta narrativa dominada por um vilão.

Chris Hemsworth rouba a cena no papel do Deus do Trovão  Foto: Estadão

Nem todos os efeitos especiais do filme têm o acabamento necessário e, passados 55 minutos, quando os heróis começam a se dividir em grupos, a edição sofre uma ralentada, o que dilui o ritmo, exigindo do roteiro uma aposta em piadas que funcionam melhor com os Guardiões da Galáxia (sobretudo com Chris Pratt, o Senhor das Estrelas) do que com os Vingadores. O herói que mais perde aqui é o Homem-Aranha, pois Tom Holland, seu talentoso intérprete, não é bom como Tobey Maguire, e parece não encontrar aqui a mesma alquimia entre carisma e tônus dramático de suas aparições em outros filmes. Mas nada disso tira de "Guerra Infinita" seu viço como épico sobre o fervor. E sobre a lealdade.

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Vale um especial aplauso a dublagem de Downey Jr., confiada a Marco Ribeiro.

 Foto: Estadão

p.s.: Falando de Globo, neste domingo, à 1h20, tem Harrison Ford de presidente dos EUA, encarando terroristas eslavos, em "Força Aérea Um" (1997), de Wolfgang Petersen, com Garcia Júnior na voz do eterno Indiana Jones.

p.s.2: Nesta segunda, a partir das 18h, o Cineclube Casas Casadas, da Associação Brasileira de Cinematografia, a ABC, coordenada por Affonso Beato, vai celebrar os 80 anos de Neville D'Almeida, com a projeção de seu cultuado longa "Jardins de Guerra" (1968).

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