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Terror goiano leva medo e reflexão social a Tiradentes

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Thriller de horror goiano é atração de hoje na Mostra de Tiradentes: "Terra e Luz", de Renné França, é um exercício poético e político do sobrenatural  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Desesperado diante do ronco em sua barriga vazia, um dos raros seres humanos sobreviventes da praga vampírica que infesta Terra e Luz - instigante thriller de horror goiano em cartaz nesta madrugada na 20ª Mostra de Tiradentes - arranca uma página de uma revista à la Veja, com um suculento anúncio de lasanha, e o devora, como se o papel pudesse saciar seu apetite de dias sem comer. Cena mais desesperadora do que essa só a que ele morde um rato, aflito para se manter de pé. A aflição do personagem do primeiro longa-metragem dirigido por Renné França não é explorada com sadismo hollywoodiano, mas sim vista sob uma ótica reflexiva, como uma metáfora universal da fome em locais desolados e tempos de guerra. Trata-se de um raro casamento (em harmonia plena) entre realismo social e fantasia, de cunho existencial, no cinema de gênero latino-americano. Lembra até Vampiro$ (1998), de John Carpenter, pelo rigor de sua artesania, pelo perfume de desesperança e pelo visual esturricado, de heróis enlameados, se é que o protagonista (vivido por Pedro Otto, em firme desempenho) possa assim ser chamado. Fica a dúvida.

Os sobreviventes do cerrado Foto: Estadão

Aliás, sobram dúvidas ao fim da projeção deste enxutíssimo (74 minutos) terror no cerrado, mas todas ligadas àquele universo de desolação, às criaturas de manto preto que atacam à noite, famintas de sangue e carne de mamíferos e ao espírito humano, capaz de qualquer falência moral diante do desespero. Certezas, podemos elencar três: 1) a fotografia do filme, assinada por Carlos Cipriano, é uma experiência visual exasperadora no jogo com a iluminação natural de Goiás; 2) a direção do filme investe na reflexão sociológica sem perder o ritmo febril do filão; 3) com sua exibição, nesta sexta, Tiradentes cumprirá uma vez mais a vocação de seu curador, Cléber Eduardo, de construir um "estado de exceção" audiovisual, na amostragem do nosso cinema, garimpando o que há de mais potente fora do eixo.

 

Como filme de estreia, Terra e Luz carrega em si um frescor de pesquisa, risco e  experimentação na maneira como distribui os arquétipos, desembrulhando-os de cascas pop óbvias. A saga do homem (Otto) que sai errante por um território de pedras, lama e terra seca, no qual, a cada noite, vampiros saem para caçar, carrega uma aura mítica (e mística) de diálogo com uma tradição expressionista, deslocada para um palco do Real. Um real faminto. Um real 100% brasileiro.

 

Tiradentes encerra a edição 2017 de seu festival anual neste sábado, com a entrega de prêmios de júri popular e do júri oficial da seção Aurora, a menina dos olhos do evento, na qual concorrem sete longas: Baronesa, de Juliana Antunes (MG); Corpo Delito, de Pedro Rocha (Ceará),Eu Não Sou Daqui, de Luiz Felipe Fernandes Alexandre Baxter (MG); Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa (SP); Sem Raiz, de Renan Rovida (SP); Subybaya, deLeo Pyrata (MG); e Um Filme de Cinema, de Thiago B. Mendonça (SP). Como sua atração de encerramento, a Mostra reservou A Cidade Onde Envelheço. Exibido na Europa em 2016, em mostras competitivas em Roterdã e em San Sebastián, esta produção luso-brasileira dirigida por Marília Rocha, contemplada com o prêmio de melhor filme no último Festival de Brasília, narra o reencontro de duas amigas portuguesas em Belo Horizonte, onde as divergências de comportamento entre as duas vai ameaçar aquela relação.

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