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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Tem 'O Som ao Redor' nesta quinta na TV

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

RODRIGO FONSECAEm meio aos contratempos do Impeachment, das discussões sobre golpe de estado e dos turbilhões governamentais todos que surraram o Brasil de maio de 2016 até hoje, nenhum filme nacional foi mais (bem) falado - e mais polemizado - do que Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho. É ele quem vai presidir o júri da Semana da Crítica no Festival de Cannes 70, agendado de 17 a 28 de maio. Mas toda a sua força nas telas (e fora delas) tem um berço no laureado O Som ao Redor, o primeiro longa-metragem de ficção feito pelo diretor pernambucano, que terá projeção nesta quinta-feira à noite, às 22h, no Canal Brasil. Seu foco, numa estrutura narrativa de múltiplos plots, é retratar as diferentes lutas de classe estabelecidas (por vezes de maneira silenciosa) em diferentes camadas da política e da economia brasileira. A cartografia urbana por ele aberto iniciou uma corrente do nosso cinema hoje apelidada lá fora de classe média blues, termo usado para dar conta do filão social historicamente esnobado pela filmografia feita nesta pátria. O requinte narrativo de Kleber foi saudado há na estreia mundial do longa, no Festival de Roterdã de 2012, quando este conquistou o prêmio da Fipresci, a Federação Internacional de Crítica Cinematográfica. Ao longo de sua jornada em cartaz planeta adentro, o filme recebeu outros 29 prêmios, incluindo o Troféu Redentor de melhor filme no Festival do Rio de 2012 e o Kikito de melhor diretor em Gramado.

 Foto: Estadão

Foram usados ao todo 59 atores e 231 figurantes usados nas 57 locações de O Som ao Redor, sendo os rostos mais conhecidos os de Maeve Jinkins (perfeita na pele de uma dona de casa em tédio) e Irandhir Santos. Nesta produção de cerca de R$ 2 milhões, ele é Clodoaldo, líder da célula miliciana que se instala numa região cujos condomínios mais visados pertencem a Seu Francisco (W. J. Solha). Reminiscente da aristocracia canavieira pernambucana, Francisco domina o bairro como um senhor feudal, sem pudor de desprezar os negros que lhe servem. O racismo é apenas uma das hipocrisias morais discutidas entre os diferentes núcleos do longa.

 Foto: Estadão

Um dos mais ferozes críticos de cinema do Brasil dos últimos 20 anos, famoso na imprensa especializada por sua ironia ferina e por seu olhar atento para inovações tecnológicas, Kleber tornou-se um dos pilares da novíssima produção audiovisual de Pernambuco, um canteiro para invenções narrativas. Ainda adolescente, estudou na Inglaterra, onde travou contato direto com a cultura cinematográfica europeia. De regresso a Recife, sua terra natal, nos anos 1990, fez suas primeiras experiências na direção com a linguagem do vídeo, experimentando gêneros. Fez sua passagem para o cinema a partir do formato curta, ao rodar A Menina do Algodão (de 2003, feito em parceria com Daniel Bandeira). Dialogou com a tradição da literatura russa no magistral Vinil Verde (2004) e voltou a explorar a realidade eslava com Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2006). Nessa época, o diretor iniciou a preparação de seu primeiro longa, o documentário Crítico (2008), sobre a experiência de jornalistas à frente de resenhas de filmes. Mas, ainda nessa fase dos curtas, foi com Recife Frio (2009) que ele se consagrou como um dos maiores diretores do Brasil, ao realizar uma sci-fi sobre as mudanças climáticas em sua cidade, utilizando a linguagem do mockumentary. Influenciado por realizadores estrangeiros como o americano John Carpenter e o austríaco Michael Haneke, elaborou O Som ao Redor como um microcosmos das nossas desatenções sociológicas.

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