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Suécia x Romênia no placar atual de Cannes

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Woody Harrelson, de farda, recebe instruções de Ruben Östlund em "Triangle of Sadness"  

RODRIGO FONSECA Dois ganhadores da Palma de Ouro, com vitórias separadas por dez anos de diferença, têm a chance de conquistar novamente o troféu mais disputado de Cannes, disparando, cada com sua singularidade, nas listas de aposta de premiação do festival francês de 2022: o sueco Ruben Östlund (de "The Square", de 2017) e o romeno Cristian Mungiu (de "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", de 2007). O primeiro conta com uma genial participação de Woody Harrelson e quilo litros de escatologia em "Triangle of Sadness", uma cartografia dos conflitos de classe social, cheia de farpas contra o capitalismo, mas também contra as correntes socialistas, ambientada na pré e na pós-arrancada de um cruzeiro. É o momento Sergio Bianchi de Ostlund, disparando para todos os lados, numa comédia ferocíssima sobre a soberba dos que detêm as riquezas do planeta. A Rússia de Putin é saco de pancada nos diálogos, representada na figura de um milionário eslavo escroque. Há uma introdução debochada, que tira sarro do mundo da moda e um primeiro ato gongólico, repetitivo à exaustão, que se encerra quando o barco que serve de arena à trama zarpa. Harrelson é o capitão cachaceiro da embarcação. Há falas memoráveis que levaram Cannes a rolar de rir. Mas a montagem deixa solto muito tempo morto, de inútil conexão com a dramaturgia, assombrando a retidão do debate proposto pelo diretor. Sobra um quê de gratuidade no gesto crítico da narrativa.

 Foto: Estadão

Já "R.M.N." (a sigla é um acrônimo para "ressonância magnética" e é, também, sinônimo de Romênia) é o contrário de Östlund em tudo. É preciso, tem zero humor, gasta cada segundo de sua duração com algo a dizer e sugere em vez de afirmar. É o filme mais enervante de Mungiu, mais do que "Além das Montanhas", pelo qual ele ganhou o Prêmio de Roteiro, na Croisette, em 2012. É uma trama de mistério que sintetiza todas as temáticas quente de Cannes deste ano, até aqui: racismo, violência contra animais, empoderamento feminino, xenofobia. Seu protagonista, Matthias (Marin Grigore, sempre taciturno), é um trabalhador informal que volta `sua Transilvânia natal após uma temporada na Alemanha. Chegando na terra do Drácula, ele percebe que: a) seu filho pequenino parou de falar depois de um susto que ninguém sabe qual foi; b) ataques de ursos atiçam a vizinhança; c) o misto de panificadora e laticínio de sua aldeia está empregando imigrantes do Sri Lanka, o que desagrada a massa racista da região; e d) um enforcamento vira uma mácula na paz local. Dali pra frente, retomando um namoro com uma amante que deixara para trás e, hoje, exerce uma função importante na fábrica de pão da cidade (a ótima Judith State), Mathias vai ver seu mundo se desconsertar em incertezas. Já a Primavera Romena - movimento do qual Mungiu é percursor, caracterizado por um estido semidocumental de tramas abrasivas e antiestatais - só faz se fortalecer nesse longa que perturba a alma e fica nas retinas. Cannes chega ao fim na sexta-feira, dia 28.

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