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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Shyamalan brilha no STAR+ e lidera a Berlinale

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Shuamalan dirige Matt Dillon em "Wayward Pines", que teve um lançamento presencial no Brasil no Rio2C em 2015, na Barra da Tijuca, com direito a uma palestra do cineasta indiano na Globo Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Já se falou muito mal (mas também muito bem) de "Wayward Pines", série sci-fi cancelada pela Fox com apenas duas temporadas, mas o tempo fez dela um cult, consolidado agora com sua chegada à plataforma Star Plus (STAR+), a mesma em que Carol Castro vem dando um showzaço de talento à frente de "Insânia". Em linhas gerais, o seriado lançado em 2015, com um super alarde, acompanha a chegada de um agente, Ethan Burke (um assombroso Matt Dillon), a uma cidadezinha parecida com os Picos Gêmeos de "Twin Peaks" (e é tão lynchiana quanto) para investigar o sumiço de dois colegas. Lá, Burke encontra um amor do passado e uma série de bizarrices. Mas o chamariz do projeto, com ares de "Arquivo X", que chegou a trocar Dillon por Jason Patric, era seu produtor (ou melhor, showrunner, como dizem na TV) e diretor: Manoj Nelliyattu (M. Night) Shyamalan. O indiano (radicado na Filadélfia) veio ao Brasil, há sete anos, para divulgar o projeto e deu uma palestra na TV Globo sobre a arte de dirigir enredos pautados pelo assombro, como "O Sexto Sentido", que o consagrou, em 1999. Foi ele quem trouxe Dillon para o projeto, fã do histórico do eterno Rusty James de "Rumble Fish: O Selvagem da Motocicleta" (1983). Além dele, Shannyn Sossamon, Djimon Hounsou, Melissa Leo, Carla Gugino, Hope Davis e Toby Jones atuaram no seriado, que só aumentou o prestígio em torno do cineasta. Prestígio esse que se reverteu em sua escalação para ser o presidente do júri da 72ª Berlinale, agendada para começar no dia 10 de fevereiro, com a projeção de "Peter von Kant", de François Ozon.

 Foto: Estadão

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Aos 51 anos, Shyamalan vai liderar um júri que inclui o diretor cearense Karim Aïnouz (laureado em Cannes com o Prix Un Certain Regard por "A Vida Invisível", em 2019); a diretora alemã Anne Zohra Berrached (de "24 semanas"); o produtor franco-tunisiano Saïd Ben Saïd (em cartaz com "Benedetta"); a roteirista e diretora Tsitsi Dangarembga, do Zimbábue (autora de "I Want a Wedding Dress"; o cineasta japonês Ryûsuke Hamaguchi (realizador do hit do momento: "Drive My Car"); e a atriz dinamarquesa Connie Nielsen (de "O Advogado do Diabo"). A francesa Claire Denis é quem mais pode fazer estrago no coração de M. Night & cia., com "Avec Amour et Acharnement" (outrora chamado "Feu"). A realizadora de "35 Doses de Rum" (2008) narra um triângulo amoroso em cujos vértices estão Juliette Binoche, Vincent Lindon e Grégoire Colin. Mais esperado do que o novo filme dela só a inusitada volta de Paolo Taviani. Uma década depois de conquistar o Urso dourado com "César Deve Morrer" (2012), Paolo (que filmou desde 1954 em parceria com o irmão, Vittorio, morto em 2018, aos 88 anos) regressará à capital alemã para brigar por prêmios com "Leonra addio". É uma leitura surrealista da obra de Luigi Pirandello (1867-1936) sobre três funerais marcados por bizarrices e sobre as cinzas de um autor morto. Sua presença pode mudar o placar em prol da Itália, dada a potência que o octogenário cineasta sempre imprimiu em seus filmes, como o aclamado "Pai Patrão" (1977). Podem ainda fazer barulho na disputa a francesa Ursula Meier ("La Ligne"), o austríaco Ulrich Seidl ("Rimini"); o suíço Michael Koch ("A Piece of Sky", com atores não profissionais em interpretações assombrosas); e o onipresente sul-coreano Hong Sangsoo, que roda dois anos por ano e volta com "The Novelist's Film". A América Latina vai brigar por troféus com "Robe of Gems", uma coprodução entre México e Argentina, de Natalia López Gallardo.

O júri de Berlim  Foto: Estadão

Em meio à recente (e digna) celebração do cinema de gênero em todos os grandes festivais do planeta, a escolha de Shyamalan para presidir o 72º Festival de Berlim (que vai até 20 de fevereiro) é uma celebração de uma mudança histórica que acena com maior prestígio para o suspense, o terror e o sci-fi, filões em que o realizador é rei. Atualmente envolvido com o projeto "Knock at the Cabin", previsto para ser lançado em fevereiro de 2023, com Dave Bautista, o cineasta celebra os frutos comerciais de seu mais recente longa-metragem: "Tempo" ("Old"), uma produção de US$ 18 milhões. Seu faturamento beirou US$ 90 milhões, apesar das intempéries da pandemia sobre o circuito. As cifras altas são provas de que seu realizador ainda é capaz de mexer com a curiosidade e o medo das plateias.

A HQ que inspirou M. Night em seu último longa Foto: Estadão

Lançado no Brasil em julho de 2021, "Tempo" solidifica toda a potência do realizador do já citado "O Sexto Sentindo" (fenômeno popular em 1999, quando arrecadou US$ 672 milhões). Ele rodou essa trama sobre os efeitos do envelhecimento na República Dominicana, com base em graphic novel franco-suíça da dupla Pierre-Oscar Levy e Frederik Peeters, chamada "Château de Sable", traduzida em português como "Castelo de areia", pela Tordesilhas. Na tensíssima trama protagonizada por Gael García Bernal e Vicky Krieps, um grupo de turistas encara uma assustadora mutação em uma praia paradisíaca que altera a aparência de quem está ali, tornando as pessoas beeeem mais velhas, acelerando a decrepitude de corpos. O elenco traz ainda Eliza Scanlen, Thomasin McKenzie, Alex Wolff, Rufus Sewell, Embeth Davidtz, Nikki Amuka-Bird, Ken Leung e Emun Elliott. É uma "narrativa de virada", que ferve no banho-maria do medo, até explodir numa surpresa que nos espanta ao converter o que parece ser mera ação do "extraordinário" ao nosso redor em um plano vilanesco. Suas primeiras imagens ilustram o quando o diretor é capaz de se reinventar, reforçando a potência do fotógrafo Mike Gioulakis, num balé de movimentos, por vezes bruscos. Balé que aproveita a força trágica de Vicky Krieps para dar estofo a uma personagem assombrada por fantasmas de culpa e de finitude.

"O Sexto Sentido" faturou US$ 672 milhões Foto: Estadão

Reinvenção é uma arte na qual M. Night Shyamalan é um mestre. Depois de ter caído em desgraça com o injustiçado "A Dama na Água" (2006), ele amargou uma década de rejeições até se recriar a partir da televisão, com "Wayward Pines" , redescobrindo o prazer de filmar com baixíssimo orçamento e total liberdade. Foi essa a sua realidade em "A Visita" (2015), um exercício autoralíssimo da carpintaria do assombro, com o qual ele redescobriu as manhas do terror a partir das quais havia despontado para o estrelato, com "O Sexto Sentido" que custou US$ 40 milhões e, como dissemos, faturou US$ 672 milhões. De volta às veredas do medo, onde lançou-se como grife, na plenitude de sua potência estética, ele se reencontrou e recuperou a tarimba de abocanhar gordas bilheterias, com um soberbo trabalho díptico: "Fragmentado" (2017) e "Vidro" (2019). Os dois vieram carregados de elogios, a maioria voltados para a condução febril do enredo sobre um sujeito com 23 personalidades que sequestra três moças e acaba atraindo as atenções de um vilão chamado Sr. Vidro (Samuel L. Jackson).

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A medida de seu sucesso se dá em números: esses seus dois últimos longas arrecadaram um total de meio bilhão de dólares, juntos: US$ 548 milhões. Ecos de "Psicose" (1960) trovejam narrativa adentro, fazendo justiça à comparação entre Shyamalan e a práxis cinemática de Hitchcock, no que envolve a opção por sugerir em vez de escancarar, de criar clima ao invés de apelar para um grafismo pornográfico da violência. Viradas de roteiro - o trunfo de seus primeiros filmes - ficaram para trás. É na imagem que ele encontra o diferencial de narrativa e de sedução.

Há uma frase seminal em "O Sexto Sentido", mais sútil e lúdica do que o desabafo que o celebrizou ("I see dead people!"), na qual se aprende: "Na vida, algumas magias podem ser reais". Nos últimos 20 anos, período no qual estabeleceu-se como um dos realizadores mais ousados de Hollywood, mesmo quando a Meca do cinemão o esnobou, Shyamalan - nascido em Mahé, Pondicherry, na Índia, em 1970 - nunca abriu mão da crença no mágico, no fantástico, no ilusório. Até "Sinais" (2002), com Mel Gibson, a fantasia tinha lugar encantador em sua filmografia. Depois de "A Vila" (2004), sua obra-prima, ilusão passou a simbolizar opressão em seu autoralíssimo cinema, de uma carpintaria que sempre se apegou a sutileza. Não por acaso, seu olhar passou a gravitar para o suspense. Em Shyamalan, tempo é incerteza. Mas "Tempo", o filme, é uma iguaria. Das mais saborosas.

Shyamalan durante o lançamento do "Tempo" ("Old"), que faturou cerca de 90 milhões Foto: Estadão

p.s.: Tem Guy Ritchie na Globo na madrugada deste sábado: rola "Snatch: Porcos e Diamantes" (2001) à 1h45 do dia 29 de janeiro. Na brilhante trama, Frankie Quatro-Dedos (Benicio Del Toro) é um ladrão de diamantes que também faz o trabalho de intermediário de peças roubadas. De passagem por Londres, ele precisa chegar até Nova York para vender alguns diamantes de seu chefe, Avi (Dennis Farina). Porém, a tentação é mais forte e ele acaba dando uma pausa em sua viagem para apostar em uma luta ilegal de boxe. Enquanto isso, dois promotores de lutas chamados Turco (Jason Statham, o muso do cineasta) e Tommy (Stephen Graham) se unem a um fazendeiro local, Coco de Tijolo (Alan Ford, numa assustadora composição, com seus dentes à mostra) , na tentativa de convencer Mickey O'Neil, um pugilista cigano vivido por um murmurante Brad Pitt, a participar de uma luta sem luvas, onde vale tudo. O'Neil inicialmente não aceita a proposta, mas termina concordando em participar de uma luta da dupla. Já Avi, impaciente com a demora de Frankie Quatro-Dedos, contrata "Bullet Tooth" Tony (Vinnie Jones) para encontrá-lo e trazer consigo os diamantes. Ritchie dá uma aula de montagem em sua narrativa nevrálgica sobre o gangsterismo inglês. À época de sua estreia, sua bilheteria beirou US$ 83 milhões. Em 2021, o cineasta lançou o magistral "Infiltrado", com Statham, e volta a trabalhar com ele este ano em "Operation Fortune: Ruse de guerre", que estreia em março.

p.s. 2: Em cartaz no 51º Festival de Roterdã, na Holanda, "Paixões Recorrentes" marca a volta da veterana cineasta Ana Carolina - diretora da trilogia "Mar de Rosas", "Das Tripas Coração" e "Sonho de Valsa" - neste momento em que o cinema nacional se recicla nas bilheterias com novos sucessos. Tem "Eduardo e Mônica", "Fortaleza Hotel" e "Turma da Mônica - Lições" em circuito, buscando mais e melhores plateias, com força total. O novo longa de Ana Carolina é protagonizado por um grupo de pessoas, de diferentes nacionalidades, que discutem o estado do mundo em uma pequena praia no sul do Brasil, no dia que marca o início da Segunda Guerra Mundial. Num barzinho em uma praia sul-americana, um comunista brasileiro se enfrenta contra um capitalista português; um fascista argentino discute com uma atriz francesa trotskista. Neste remoto recanto de areia, todos eles defendem suas ideologias que foram superadas pela brutalidade do real.

p.s. 3: Ganhador da Palma de Ouro em Cannes em 2021, "Titane", de Julia Ducournau, estreia no Brasil nesta sexta, via MUBI, com a promessa de dividir opiniões com sua mirada crua para o horror biológico. Basta clicar www.mubi.com para conferir esse magistral ensaio sobre a perversão. Nele, uma psicopata (Agathe Rousselle) que mata homens e mulheres usando um pau de cabelo fica grávida ao transar com um carro, expelindo óleo diesel da vagina. Ao ser procurada pela polícia, ela resolve "transicionar" para se disfarçar, assumindo a identidade de um jovem há tempos desaparecido, que é filho de um bombeiro, vivido por Vincent Lindon. No próprio dia 28 de janeiro, para festejar o lançamento do longa, a MUBI Brasil faz uma parceria com a revista "Les Diaboliques" para um bate-papo sobre a produção no Twitter Spaces. Conversarão com a crítica e bamba master nas narrativas de terror Beatriz Saldanha: Isabel Wittmann, Isabelle Simões, Jéssica Reinaldo, Monica Demes, Monique Costa, Tati Regis e Yasmine Evaristo. Vai ser às 20h.

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