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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Sangue Latino' traduz em poesia nosso continente na TV

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Fernanda Montenegro abre o peito para Eric Nepomuceno em "Sangue Latino", o maior espaço de trocas da TV brasileira  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECAÉ difícil não passar em revista todo o cinema brasileiro feito de A Falecida (1965) pra cá quando se ouve a reflexão de Fernanda Montenegro a Eric Nepomuceno no episódio 1 da nova temporada do programa Sangue Latino no Canal Brasil: "Tenho medo que a memória se vá", diz a diva maior do Teatro Brasileiro, discutindo sobre o esquecimento. Nesta quarta, às 21h, é a vez de o jornalista e escritor ouvir o ator e diretor Selton Mello. Com um uso requintado do preto e branco, com inserções de vermelho aqui e acolá, a série de conversas de Nepomuceno parecia ser (e é) uma aula de jornalismo na TV, mas transcendeu essa condição, aproximando-se mais do ethos do documentário do que da lógica jornalística para ser uma lição viva (e quente) sobre a latinidade, em suas mais variadas (e dolorosas) latitudes. Nesta entrevista com seu "protagonista", veias do continente que ainda não tinham sido abertas derramam gotas de generosidade documental.

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  Ao longo de anos de entrevistas com pensadores e com gente de ação do nosso continente, de que maneira o Sangue Latino se renovou como programa e o quanto ele serve de termômetro para as inquietações éticas do continente?Eric Nepomuceno: Criador e diretor do programa, o documentarista Felipe Nepomuceno tem esta preocupação - preservar a essência, mas renovando-se, acrescentando novas perguntas e buscando novos ângulos de abordagem. Mais do que termômetro para as inquietações éticas do continente (coisa que também é...), a ideia do programa é funcionar como um registro do que pensam aquilo que o Felipe chama de "mentes inquietas". E não só as do continente, mas do universo latino. Cada episódio é uma espécie de ladrilho daquilo que pretende ser um grande painel. Além de tratar de traçar o perfil do convidado, levando o espectador a ter a sensação de estar participando da conversa, a ideia é levantar um arquivo do pensamento e da maneira de ser de gerações de personalidades do universo latino.

O quanto esse programa afinou a sua relação com a arte da entrevista e, de que maneira, no exercício dessa arte o jornalismo que existe em você vai virando algo mais do que perguntas e repostas?Nepomuceno: Sempre fico meio assim-assim quando falam, com relação ao programa, em "entrevista" ou "jornalismo". Prefiro chamar de conversa que trata de traçar um perfil, e falar em documentário mais do que jornalismo... em todo caso, acho que você mesmo dá a resposta, ao mencionar o programa - reitero: criado e dirigido por um documentarista... - como algo que virou mais do que perguntas e respostas...

http://canalbrasil.globo.com/programas/sangue-latino/

Como você vê a situação cultural do continente hoje e onde a arte brasileira entra nesse pacote?Nepomuceno: Falando da América Latina, entendo que os movimentos culturais vivem ciclos - às vezes de maior, outras de menor intensidade - sempre muito consistentes. Acredito firmemente que, ao escrever na América, os escritores escrevem a América. O mesmo vale para pintores, músicos, dramaturgos, cineastas, poetas... Criar, na América, é uma forma de criar a América, retratar a realidade que aí está e propor que se busque e encontre as realidades ocultas, outras realidades possíveis. É nas artes e na cultura que encontramos nossa identidade - tanto a individual, nacional, como a coletiva. O Brasil é um caso à parte. É o único país da América Latina onde se fala em "literatura latino-americana" ou "música latina" para se referir aos que é feito na América hispânica. Assim, nós mesmos marcamos distância, negando nossa realidade. Dia desses, ouvi na Rádio Roquete Pinto - emissora pública - alguém anunciar o nosso Ednardo, daquele Pavão Mysterioso com 'y', cantando "uma música latina", o bolero Noches de Ronda. Ora, o brasileiro e nordestino Rdnardo não é latino-americano como eu e você? O que somos: nórdicos, austríacos? Além disso, falta, há décadas, uma política de estado para promover a integração cultural do Brasil com seus vizinhos. A não ser em alguns segmentos específicos - a música popular, por exemplo -, pouco do que fazemos circula de maneira eficaz. São poucos os escritores e poetas publicados, os filmes circulam pouco, enfim, tudo é pouco...

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Quais são as próximas atrações desta sétima temporada e quando você vai fazer um livro das conversas do programa?Nepomuceno: Teremos ainda Armando Freitas Filho, Luiz Carlos Barreto, Gregório Duvivier. Gravamos, além do Brasil, na Colômbia, com um naipe de altíssimo nível: a artista plástica Carmen Molina, o escritor Juan Gabriel Vázquez, a atriz e dramaturga Patricia Ariza. Entre julho e agosto filmaremos a oitava temporada. Já foram mais de cento e vinte episódios desde a estreia da série, em 2010. O livro com estas conversas está nos meus planos há uns bons anos. Mas, primeiro, preciso terminar os outros, nos quais estou trabalhando.

 

 

 

 

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