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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Rua Cloverfield 10' é o novo endereço da autoralidade... e do brilhantismo

Três pessoas, uma locação, o Apocalipse e um produtor com marca autoral: esta é a receita do filme mais surpreendente (na técnica e no discurso político) da temporada atual, Rua Cloverfield 10. É o atestado definitivo do autor múltiplo que J. J. Abrams é.

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Quase uma década de se passou desde que o monstro de Cloverfield assombrou o planisfério cinéfilo, com um faturamento global de US$ 170 milhões alimentado pela originalidade de sua narrativa semidocumental, com pele de reality show. Seu êxito ajudou a projetar J. J. Abrams também como produtor, consagrando seu faro para a oportunidade em um momento histórico no qual a estética do real parecia inovadora como um acréscimo para a ficção. Uma leva de longas de terror veio nessa toada, em especial [rec] (2007), da Espanha. Mas o dispositivo que Abrams confiou à direção de Matt Reeves deu sinal de desgaste, cansando-se pela banalização. Atento à mudança, o realizador de Star Wars - Episódio VII: O Despertar da Força (2015) percebeu que deveria arriscar uma outra penugem se quisesse liberar o pássaro dos lucros da gaiola na qual enjaulou aquele experimento. Em vez de fazer um Big Brother das trevas, seria mais impactante realizar um ensaio sobre paranoia. Eis: Rua Cloverfield 10.

 Foto: Estadão

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Sob a direção de Dan Trachtenberg, realizador do curta-metragem Portal: No Espace, de 2011, o longa-metragem é uma aula de claustrofobia física e moral, expressa a partir do confinamento de personagens acossados pelos males da alma humana. É tarefa de Mary Elizabeth Winstead (da série The Returned) dar vida (e algo de novo) ao arquétipo da heroína passiva típica do gênero horror. Ela é Michelle, jovem abalada pelo fim de um namoro que, após um acidente de carro, encontra-se presa em um bunker com dois sujeitos que oscilam entre a fofura extrema e a loucura mais letal: Emmett (John Gallagher Jr.) e Howard, vivido por um John Goodman no ápice da potência dramática.

Mary Elizabeth Winstead é acossada por um maníaco e pelo apocalipse no longa produzido por J. J. Abrams Foto: Estadão

Diz a dupla que Michelle não pode sair pois, lá fora, uma hecatombe química pode levar a Humanidade à ruína. A tragédia está ligada à existência do monstro de Cloverfield. Mas pouco importa se é verdade ou não, para ela e para nós. O interesse maior é o clima de desconfiança e traição que corre na tela num fluxo crescente de temperatura e pressão. É uma lição de suspense, amparada pelo talento de um elenco em plena afinação. A câmera, hitchcockiana, sugere, mas não escancara. Tudo se dá na base da sugestão, da discrição, numa potência visual expressa a partir de uma luz bruxuleada. Abramas acertou de novo.

p.s: Nesta terça-feira à noite, o Cine Joia, em Copacabana, exibe às 20h na já tradicional Sessão do Cramulhão o cult Reformatório de Mulheres (EUA, 1986), de Tom DeSimone, sob a curadoria do crítico Mario Abbade.

 

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