PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Roterdã presta tributo a Qiu Jiongjiong

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
O documentarista Qiu Jiongjiong é homenageado com uma retrospectiva na 51ª edição do Festival de Roterdã Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Correndo a todo vapor, online, Roterdã abriu sua 51ª edição com "Please, Baby, Please", uma espécie de "Cry Baby" contemporâneo deflagrando uma homenagem à sua diretora, Amanda Kramer (e fazendo, com ela, uma cartografia da força feminina no cinema), mas abriu outros tributos também, com é o caso da imperdível retrospectiva do cineasta chinês Qiu Jiongjiong. São dele documentários exuberantes como "The Moon Palace" (2006), "Madame" (2010) e "My Mother's Rhapsody" (2011). Todos estão no evento holandês, assim como seu trabalho mais recente, e mais deslumbrante, chamado "A New Old Play", com o qual ele ganhou o Prêmio Especial do Júri em Locarno, em agosto de 2021. Situado numa estilizada fronteira entre realismo e fábula, fruto de uma carreira talhada pelo cinzel documental, "A New Old Play" ("Jiao Ma Tang Hui") é uma celebração de tintas barrocas das tradições chinesas da ópera e do teatro musical. Para construir a trama, o cineasta parte de histórias de seu avô para narrar o réquiem para um velho palhaço. Na trama, um artista circense que dedicou meio século de sua vida ao ofício de fazer rir gasta seus últimos instantes de lucidez, numa "passagem" para o Além, a relembrar sua relação com a comédia. "A solidão é a essência de um palhaço, uma classe de artistas que se mantêm sorrindo apesar de todas as dificuldades. Eu cresci numa família de artistas e aprendi a ver como eles eram capazes de encenar na vida... e fora dela. Meu esforço foi triar humanidade nessas relações familiares e artísticas", diz Jiongjiong ao Estadão, lembrando que teve o diretor Bu Wancang (1900-1973), de "A Spray of Plum Blossoms" (1931), como um de seus faróis. "Meu cinema é muito independente, mesmo para os padrões da indústria chinesa, pois venho das artes visuais e do documentário, operando com baixo orçamento. Rodei 'A New Old Play' com cerca de 500 mil euros, de maneira muito artesanal".

 Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Em sua passagem por Locarno, na briga pelo Leopardo de Ouro (que ficou com "Vengeance Is Mine, All Others Pay Cash", da Indonésia), o longa chinês arrebatou olhares e elogios pelo rigor dos enquadramentos de Jiongjiong. "Tenho uma influência do expressionismo na estética, que vem da minha relação de cinéfilo com a obra de Murnau, sobretudo com 'Aurora', investindo em elementos simbólicos. Criamos, durante as filmagens, uma tenda, muito parecida com um picadeiro, que nos servia como locação. Naquele espaço criamos um ambiente expressionista", diz o cineasta, fã de Buster Keaton e Chaplin. "Cresci no fim da Revolução Cultural, quando a China recebia filmes em preto e branco do Ocidente".

"Paixões Recorrentes" marca a volta triunfante de Ana Carolina Teixeira Soares às telas Foto: Estadão

Entre os 14 concorrentes ao troféu Tiger, dado à competição oficial de Roterdã, o favorito é "Eami", um poema etnográfico da paraguaia Paz Encina, que mistura documentário, fábula, antropologia e um ensaio geopolítico sobre sororidade. A diretora de "Hamaca Paraguaya" (2006) registra a realidade de lutas do povo Ayoreo-Totobiegosode, que vive no Chaco, vasta região florestal que faz fronteira entre o país da cineasta, a Bolívia e a Argentina. O título de seu novo longa, Eami significa "floresta" na língua dos Ayoreo. Significa também "mundo". Para aquela população, as árvores, os animais e as plantas que os rodeiam há séculos são tudo o que eles conhecem. Mas eles encaram agora um desmatamento que ameaça tudo o que têm. Para retratar essa tragédia, Paz recorre ao mito de uma menina que vira uma deusa-pássaro. O único outro concorrente que parece reverberar forte no burburinho cinéfilo é uma produção de Israel: "Kafka for Kids". Com direção de Roee Rosen, esse musical com sequências de animação impressiona pelo virtuosismo de sua direção de arte e pela ironia de seu roteiro, cuja abrasividade está presente também nas letras de suas canções. O filme é construído como um programa infantil, nos moldes de um "Castelo Rá-Tim-Bum", cuja temática é a prosa do autor de "A Metamorfose". Entre as produções brasileiras em projeção por Roterdã, estão "Medusa", de Anita Rocha da Silveira, que ganhou o troféu Redentor no Festival do Rio (e é potencializado pela potente atuação de Thiago Fragoso como um pastor evangélico), e "Paixões Recorrentes", primeiro trabalho de Ana Carolina Teixeira Soares (realizadoras da aclamada trilogia "Mar de Rosas"; "Das Tripas Coração" e "Sonho de Valsa") após um hiato de oito anos. Em seu novo longa, rodado no litoral do Paraná, ela volta a 1939, quando um casal de portugueses, uma atriz francesa, um fiscal argentino, um produtor teatral niteroiense, um integralista paulistano e um caiçara que recita filósofos e canta pontos de umbanda discutem os futuros do mundo em meio ao avanço de Hitler. O desempenho de Luiz Octavio Moraes na pele de um Zero Mostel de Niterói é antológico, assim como o de Danilo Grangheia na pele do fã do Integralismo. O festival segue até o dia 6.

p.s.: Até 18h deste sábado a Mostra de Tiradentes exibe um dos melhores filmes de sua 25ª edição, que termina esta noite: "Lutar, Lutar, Lutar", de Sérgio Borges e Helvécio Marins.é um documentário sobre a centenária história do Clube Atlético Mineiro, desde sua fundação, em 1908, até o título da Copa do Brasil de 2014, passando pela épica conquista da Libertadores de 2013. O time nasceu da utopia de unir pobres e ricos, brancos e negros, e resiste ao infortúnio e às injustiças dentro e fora de campo. É uma narrativa documental que transcende o esporte e revela o DNA de uma das torcidas mais fiéis e singulares do futebol mundial.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.