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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Rogue One' expande o universo 'Star Wars'

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Tem um derivado de Guerra nas Estrelas quentinho a caminho neste momento em que há muito filme-pipoca engatilhado para estrear, daqui até dezembro, a contar do mirim Procurando Dory, com estreia prevista para esta quinta-feira no Brasil, ou do on the rocks Esquadrão Suicida, aguardado para agosto. Mas no pacotão de novidades, Rogue One: Uma História Star Wars, apontado para 15 de dezembro, é o que mais anda despertando a sede de notícias dos internautas, mobilizando os mais variados sítios da web com especulações. Na trama, a criminosa ligada à facção da Aliança Rebelde Jyn Erso (Felicity Jones) é escalada para roubar os planos da Estrela da Morte de Lorde Darth Vader. Um elenco estelar calça o projeto (Mads Mikkelsen, Diego Luna, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker), encarado como um balizador para os próximos passos da franquia idealizada por George Lucas nos anos 1970 e repaginada (com muito mais brilhantismo) por J. J. Abrams, sob a égide da Disney. A direção é de Gareth Edwards.

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Devoto à máquina empresarial de derivados em forma de brinquedos, BDs, roupas e quinquilharias afins de seus Cavaleiros da Força, Lucas deixou sua porção cineasta se perder em soluções óbvias de fabulação com moral, como se viu na trilogia I, II e III de sua Guerra nas Estrelas, lançada de 1999 a 2005. Em seus 50 anos de cinema, Lucas dirigiu apenas 18 títulos, a partir de Look at Life (1965), dos quais 11 são curtas. Sua contribuição (aparente) é mais a de um homem de negócios, criador de um parque de diversões de infinitas possibilidades dramatúrgicas chamado Star Wars e a de um desenvolvedor de um parque geek de parafernálias a serviço da geração de efeitos visuais. Até vender o passe de Luke Skywalker e toda a família Jedi à Disney, ele era um artista gestor, responsável pela administração de um império tão grande quanto aquele do qual Lorde Vader era um burgo-mestre. Mas há mais dos que um engravatado por trás do nerd de óculos que, há quase 40 anos, fez da independência uma flâmula ao fazer, nos seus próprios moldes, uma trilogia em ode a cânones do sci-fi dos seriados cinematográficos da década de 1930 (Flash Gordon) e das HQs (Buck Rogers). Há dentro dele um devir poético que ardeu em fervura máxima na hora de unir a Philip Kaufman na confecção do argumento de Os Caçadores da Arca Perdida (1981) concebendo um herói de parâmetro inimitável: Indiana Jones.

Porém, quem olha em retrospecto e vê THX 1138 (1971), enxerga ali uma estética em completa afinação com o projeto cinemanovista made in USA, usando a ficção científica como metáfora para pensar a solidão existencial de um povo. Ali foi sua apoteose como cineasta, estendida a mais um delicioso trabalho de direção: American Graffiti (1973), no qual ele fez rir ao fazer uma crônica dos hormônios à flor da pele de adolescentes que sentiram o que ele sentiu quando mais novo. A Força soterrou aquele grande diretor que Lucas um dia foi, mas suas contribuições industriais são tantas que é impossível ele se render ao Lado Negro da mediocridade.

Mas os tempos agora são outros. É o camundongo Mickey quem manda em Darth Vader. Mas vale olhar para o passado.

Reza a aritmética que as duas primeiras trilogias de Star Wars, somadas, renderam à Fox cerca de US$ 4 bilhões, elevando as ações do estúdio a cada ano em que seus episódios foram lançados. Entre 1977 e 1983, as aventuras com Han Solo, Skywalker e Leia versus Darth Vader movimentaram US$ 1,8 bilhão. Já entre 1999 e 2005, aurora deste milênio, foram arrecadados US$ 2,4 bilhões nas salas exibidoras da saga que apresentava a conversão de Anakin no mais poderoso Lorde Sith da galáxia. Mas a era agora é outra: saiu 20th Fox, entrou Disney e, com ela, J. J. Abrams assumiu as rédeas criativas, concebendo um espetáculo estético da mais alta grandeza com O Despertar da Força, cuja bilheteria global de arrancada foi de US$ 517 milhões.

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 Foto: Estadão

Mas há algo mais do que cifras astronômicas por trás de cada trinca de longas.

A primeira a ser lançada, que dá dos Episódios IV (Uma Nova Esperança), V (O Império Contra-Ataca) e VI (O Retorno de Jedi), foi encarada como a Queda da Bastilha para a revolução pop que se ensaiava no fim dos anos 1970, quando a saturação política abriu precedentes para um levante de uma contracultura com calda de chocolate e recheio de morango. De 1967 a 1977, os EUA viveram o apogeu da Easy Rider Generation, a turba de diretores, roteiristas e atores responsável por uma hemodiálise audiovisual do cinema, filtrando impurezas da Direita e do conservadorismo red neck e dando em troca uma nova Hollywood. Martin Scorsese, Coppola, Bogdanovich, Bob Rafelson, Woody Allen e Brian Russell De Palma apareceram aí, fazendo convalescer padrões de um moral vetusta, avessa ao sexo livre, às democracias raciais e ao socialismo. Roeu-se a corda da intransigência ao máximo até que o Sistema (ou a Casa Branca) fomentou o advento de uma "contrarreforma", substituindo gângsters ítalo-americanos como os Corleone pelo bom selvagem da Filadélfia, Rocky Balboa. Da mesma forma, no lugar de veteranos da Guerra do Vietnã mutilados surgiu um herói formato Cristo vindo lá de Krypton: o Superman de Christopher Reeve. Nada mais justo do que os peregrinos espaciais de George Lucas, guiados por Han Solo, tomarem nosso imaginário.

 Foto: Estadão

Os filmes originais da década de 1970 preencheram a demanda governamental por um pisar no freio da rebeldia sem diminuir o afã independente nos modos de produção. A revolução continuava na economia e o primeiro Star Wars, em 1977, ensinou para a indústria como se cria uma saga, abrindo espaço para o que, décadas depois, fariam Harry Potter, O Senhor dos Anéis e todo o baú de BDs da Marvel. Dali saiu também uma trupe heróica que varou o Espaço e o Tempo, ajudando Harrison Ford a se tornar um Senhor Milhão (e um ator magistral).

Depois de uma reciclagem desta trilogia, revista e ampliada, para os padrões técnicos e tecnológicos de 1997, numa reestréia que parou o planeta, George Lucas resolver ser cineasta de novo para tirar Darth Vader da condição de lenda e alçá-lo ao posto de mito. A trinca de Episódios I (A Ameaça Fantasma), II (Ataque dos Clones) e III (A Vingança dos Sith) foi uma operação de produzir mitologia com base em um vilão icônico - talvez o maior de toda a história do cinema. O elenco foi equivocado nas mais variadas latitudes, a começar por Hayden Christensen, o intérprete do jedi Anakin Skywalker, o Vader em estágio larval. Mas a aposta em Ewan McGregor como Obi-Wan e Natalie Portman como Padmé provou o quanto estes dois grandes intérpretes têm vocação para contagiar multidões. E, de quebra, dali nasceram três personagens icônicos: o mestre jedi Mace Windu, papel que Samuel L. Jackson foi pessoalmente implorar para Lucas; o espadachim de lâmina dupla Darth Maul e o Sith de quatro braços General Grievous, explorado depois à exaustão na série de animação Clone Wars. O Jar Jar Binks a gente esquece, assim como é bom jogar no obscurantismo os primarismos que Lucas, enferrujado após anos sem dirigir, cometeu na condução dos atores. As lutas são antológicas. E a escolha do eterno vampiro Christopher Lee como Lorde Dookan também.

 Foto: Estadão

Para o júbilo do Pop, em 2015, Star Wars - Episódio VII: O Despertar da Força (The Force Awakens) fez o planeta Terra babar frente às imagens arquitetadas sob a direção por Abrams - ou J. J. como é ele conhecido -, dando um novo gás a uma mitologia iniciada nos tempos do cinema novo norte-americano. E esta agora, com Rogue One, pode se reciclar, ganhando uma mão de verniz extra, abrindo suas veias para inquietações contemporâneas de inclusão sexual, racial e étnica

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