RODRIGO FONSECA
Está um calor digno de sauna aqui em Gramado, na Serra Gaúcha, onde começa esta noite, com a projeção do filme "ame-o ou deixe-o" do momento - Aquarius -, a 44ª edição do mais popular dos festivais de cinema do Brasil. O termômetro marca 28º, mas a sensação térmica local é de Verão carioca em dias de sol a pino, com mormaço, suadeira e gente se abanando com prospectos e revistas improvisados como leques. Porém, o clima ferve ainda mais pelo tom de tensão anunciada em relação à exibição, esta noite, do longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, um exercício de maturidade narrativa e de maestria no domínio da câmera, vitaminado por uma atriz-estrela em estado de graça absoluta: Sonia Braga.
Como a produção virou um ímã de polêmicas, em função da censura 18 anos a ela imputada e da confusão armada em torno da comissão de seleção do Ministério da Cultura, via Secretaria do Audiovisual, na escolha para um potencial concorrente ao Oscar de filme estrangeiro (um dos membros do comissariado, o critico Marcos Petrucelli, atacou o cineasta por razões políticas), as previsões climáticas locais são de pancada... ideológica... no debate com a equipe de Kleber, agendado para a manhã deste sábado. A torcida é para que a discussão, se houver, seja sobre estética e não sobre posturas à direita ou à esquerda, decorrentes da atitude do cineasta, durante o Festival de Cannes, de protestar contra a quebra dos padrões democráticos do país, com o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Corre à boca pequena que pode haver vaia no Palácio dos Festivais, da ala em prol de Michel Temer. Mas, com certeza, pela qualidade inabalável do longa, não faltaram aplausos calorsos, tão quentes como o ar na cidade.
Para a curadoria de Gramado, a presença de Aquarius passa um atestado de fôlego narrativo para a seleção de 2016.
"Na manhã em que soube da escolha de Aquarius para representar o Brasil na disputa de Cannes, eu fiquei muito contente pelo filme e liguei para o Kleber, para convidá-lo a exibir seu longa aqui. Kleber, com O Som ao Redor, já dera a nós o imenso prazer de expor seu trabalho em Gramado. E essa situação de ter o filme abrindo nosso festival nos deixa muito felizes. Somos o primeiro festival da América Latina a projetar este filme importante, que nos representou em um dos maiores eventos de cinema do mundo, e, ainda por cima, trazendo a grande Sonia Braga de volta ao primeiro plano da cinematografia contemporânea", diz o crítico gaúcho Marcos Santuário, um dos curadores da festa cinéfila gramadense, ao lado de Eva Piwaworski e Rubens Ewald Filho. "Polêmicas políticas à parte, a cinematografia brasileira está de parabéns por ter um um trabalho como o de Kleber Mendonça no topo da lista dos principais diretores da atualidade".
Ineditismo é a chave da programação de Gramado este ano. Na lista de concorrentes nacionais estão: Barata Ribeiro, 716 (RJ), de Domingos Oliveira; El Mate (SP), de Bruno Kott; Elis (SP), de Hugo Prata; O Roubo da Taça (SP), de Caito Ortiz; O Silêncio do Céu (Brasil/Argentina), de Marco Dutra; e Tamo Junto (RJ), de Matheus Souza. Já na seleta de títulos hispânicos estão Campaña Antiargentina (Argentina), de Ale Parysow; Carga Sellada (Bolívia/ México/ Venezuela/ França), de Julia Vargas; Espejuelos Oscuros (Cuba), de Jessica Rodriguez; Esteros (Argentina/Brasil), de Papu Curotton; Guaraní (Paraguai/Argentina), de Luis Zorraquín; SinNorte (Chile), de Fernando Lavanderos; Las Toninas Van al Este (Uruguai/Argentina), de Gonzalo Delgado e Verónica Perrotta. Esta noite, Sonia recebe aqui o troféu Oscarito, como um reconhecimento ao conjunto de sua carreira.