Ninguém é chamado para viver a versão jovem de Tony Ramos num filme de autor com "A" (sobretudo se este autor for o maior diretor deste país - Ruy Guerra - e o filme, o esperado Quase Memória) se não for um ator de fartos recursos e inteligência de autorreinvenção. Depois da sessão de Nise - O Coração da Loucura, comovente épico clínico do diretor Roberto Berliner, na noite de terça, na Première Brasil 2015, não restam dúvidas de que o capixaba Charles Fricks preenche esses dois requisitos com caneta azul, tirando 10 com louvor na arte de roubar cenas. No papel do crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981), Fricks se embrenha no universo do delírio e do preconceito científico retratado pelo realizador de A Farra do Circo (2013) fazendo da elegância um cinzel capaz de esculpir para si um espaço cênico de conforto e atração. Seu Pedrosa é uma espécie de anjo capaz de conduzir a Nise da Silveira de Glória Pires por uma estrada de iluminação pelas vias da pintura e da escultura. Fala pouco, baixo, gestualiza a conta-gotas, mas toma a ação para si, dendo verossimilhança a uma ação de revisita a épocas de conflito moral no Rio.
Sábado ele volta à Première com Quase Memória, exercitando a musculatura adquirida no teatro (seu berço), sobretudo a partir do fenômeno teatral O Filho Eterno, pelo qual ele abriu para si (com méritos de artista maduro) as portas do reconhecimento. Ano que vem, ele volta às telonas cantando no filme musical + 1 Brasileiro, de Gustavo Moraes. Olho atento pro moço: ele é promessa de renovação.
Ainda sobre Nise - O Coração da Loucura, merece palmas o desempenho de outros dois (sempre bons) atores: Cláudio Jaborandy e Roney Villela, que interpretam internos.
p.s.2: Na leva de curtas deste ano, nenhum ainda superou o documentário Projeto Beirute, no qual Anna Azevedo explora o cosmos Brasilárabe a partir do Saara, centro comercial no coração do Rio. Foi exibido ontem (visto pelo P de Pop de soslaio do cantinho da sala), mas pega pelo vigor narrativo. Na cola, vem a animação (também documental) antropológica Até a China, de Marão.
p.s.: Fora o achado Fricks, a Première Brasil 2015 já garantiu uma redescoberta: a de Vinícius Oliveira, o órfão à procura do pai de Central do Brasil, que regressa repaginado em Boi Neon, de Gabriel Mascaro. Com uma aparência metrossexual e poucas falas, Vinícius segura um papel de pavão misterioso das vaquejadas com um misto de carisma silencioso e gestual disciplinado. Este longa, made in Pernambuco, é, até agora, o melhor de todo o Festival do Rio deste ano, com todo o respeito a Wim Wenders, Sokurov e mestres afins.
p.s.2: Na leva de curtas deste ano, nenhum ainda superou o documentário Projeto Beirute, no qual Anna Azevedo explora o cosmos Brasilárabe a partir do Saara, centro comercial no coração do Rio. Foi exibido ontem (visto pelo P de Pop de soslaio do cantinho da sala), mas pega pelo vigor narrativo. Na cola, vem a animação (também documental) antropológica Até a China, de Marão.