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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'O Melhor Lugar do Mundo': o RPG de C. Ciocler

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Luciana Paes fala sobre a condição de "se sentir inútil" em "O MELHOR LUGAR DO MUNDO É AGORA" Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Mais preocupado com a colaboração entre parceiros de cena, por meio do instinto, do que com os cânones dos métodos que psicologizam o gesto, o ator e professor de Arte Dramática Sanford Meisner (1905-1997) navegava entre os autores clássicos e modernos com a certeza de que "atuar é se comportar de forma verdadeira sob circunstâncias imaginárias". É o que se vê no documentário (se é que se pode classificar assim uma experiência só plural) "O MELHOR LUGAR DO MUNDO É AGORA", um dos mais inventivos concorrentes ao troféu Redentor do 23º Festival do Rio. Concorrente que resgata o princípio meisneriano de que "na arte de atuar, a ausência de palavras nunca é uma ausência de significado", mascando verbos em um circo de significados. Fala-se muito, mas os substantivos ganham outras formas moldados por uma trupe de "depoentes" - atriz, atores e encenadora/es - que parecem encenar seus desabafos - ou desabafar invenções deles mesmos. No comando da brincadeira está Caco Ciocler. Embora já tenha dirigido dois possantes filmes - "Esse viver ninguém me tira", de 2014, sobre Aracy Moebius de Carvalho, o Anjo de Hamburgo, e o road .doc "Partida", sobre o processo eleitoral -, Ciocler assume a direção dessa nova experiência não como um "realizador" e, sim, como uma presença ex machina que interpreta um diretor. Isso pelo fato de seu novo trabalho por mais trás das câmeras parecer mais um jogo de RPG (role playing game) - sem dados, sem D6, D10, sem D20 - do que uma colagem de entrevistas. Nesse "Dungeons & Dragons" sem Mestre dos Magos nem Uni, o procedimento (aparente) parte de uma costura de Zooms, conduzidas pelo "entrevistador" Caco. Falam com ele Danilo Grangheia, Eduardo Estrela, Eliseu Paranhos, Esio Magalhães, Georgette Fadel, Lorena Da Silva, Luciana Paes, (um hilário) Márcio Ballas, Márcio Vito, Nilcea Vicente e uma inspiradíssima Claudia Missura, que merecia uma menção honrosa por sua inter... sua ressignificação do conceito de interpretar. Regras do jogo: cada atriz e ator entra em quadro e fala de si, evocando sintomas essenciais do viver, alguns relacionados à profissão, outros relacionados ao dia a dia. Luciana fala sobre o que é se sentir inútil; Georgette problematiza buscas por sentidos a partir de uma convivência somática com massagens; Ballas no leva ao riso ao relembrar a abordagem de um estranho de óculos vermelhos; Grangheia fala de sua rotina entre gatas e a disposição para a reeducação animal. Missura é um show à parte, explicando como é que se utiliza os alvéolos pulmonares para expressar alegria e como se joga com a palidez para brincar de tristeza. Cada um que faz uma "jogada" - cada um que atua - parece estar falando de si, mas parece estar tecendo uma linha de ilusão. Difícil saber o que parece e o que é, quase como num espelho do que o mundo virou após a pandemia, onde muito se virtualizou. Ciocler nos leva a crer quer a cultura de home office fez a sala - de cada um - de nós virar um palco. Só que, por vezes, é um palco sem peça.

Márcio Vito fala de sua vivência de invenção no longa de Ciocler Foto: Estadão

Há algo nessa dinâmica que evoca um antigo e primoroso trabalho de Ciocler: a peça "45 minutos" (2011), de Marcelo Pereira. Era um texto (precioso) sobre um ator, confinado a viver nos fundos de um teatro, que precisa entreter seus espectadores sem ter muito um porquê, apenas pela inércia da sobrevivência. É, qual em "O MELHOR LUGAR DO MUNDO É AGORA", uma ribalta sem espetáculo. A trupe do novo longa de Ciocler, ao contrário do tal ator inerte, não encara o "sobreviver" como fado ou fardo, e sim como um ato celebrativo, um canto de bodes bravos, que gemem por Apolo mas são atendidos por Dionísio. Daí termos um filme que massacra convenções, brincando (de embaralhar) com as fronteiras entre o que é convicção e o que é uma interpretação. É espantoso como a montagem Caroline Leone consegue dar conta de tanto signo, num ritmo de edição em altíssima voltagem.

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