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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

O Homem-Pássaro de Michael Keaton voa pelos céus da excelência

 

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Em "Birdman", Michael Keaton vive um ator assombrado pelo vigilante mascarado que encarnou no passado Foto: Estadão

Em estado de graça à frente de Spotlight - Segredos Revelados, thriller jornalístico lançado ontem no Brasil, Michael John Douglas Keaton chegou à apoteose de sua carreira, caminhando para mais um papel antológico em The Founder, drama de John Lee Hancock sobre o fundador do McDonalds, que fica pronto só lá em novembro. Mas foi com Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância), Oscar de melhor filme de 2015, que ele iniciou seu voo por céus de brigadeiro. Dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, este ensaio narrativo sobre um ator assombrado por um sucesso do passado voltou à tela grande em solo carioca na programação da mostra Os Melhores do Ano da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACC-RJ), que segue até o dia 25 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Neste sábado, dia 9, serão exibidos no evento o drama polonês Ida, vencedor do Oscar de filme estrangeiro de 2015 e uma aula de intimismo à moda turca: Sono de Inverno, ganhador da Palma de Ouro em 2014.

Birdman terá exibição neste domingo, às 18h10, em sessão dupla com a animação DivertidaMente. No dia 21, a pérola de Iñarritú vai ser debatida pelo ator e diretor teatral Pedro Brício e pelo animador Marão.

Segue aqui o texto (assinado por este que vos tecla) publicado no catálogo da mostra da ACC-RJ no CCBB:

 Foto: Estadão

Filmes que conseguem reinventar (ou reciclar) a carreira de atores outrora famosos, mas chapados em rótulos, costumam se candidatar, de cara, ao brilho eterno do amor cinéfilo por seu fator surpresa e por seu espírito redentor. Assim sendo, Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) teria seu quinhão de aplauso só por soltar o bicho que, há tempos, andava preso na alma de Michael Keaton, pelo menos desde Jackie Brown, lá atrás, em 1998. Porém, existe mais do que um ator em estado de graça na produção de US$ 18 milhões filmada pelo mexicano Alejandro González Iñárritu em Manhattan, NY, fingindo ser um plano-sequência de 119 minutos de dramédia moral. Em um gesto de descarrego das tragédias que fizeram sua fama de Amores Brutos (2000) a Biutiful (2010), o cineasta cria uma aeróbica de planos sem corte, alinhados por uma batida de pratos de bateria, numa maratona sinestésica, a fim de expressar a ressaca na qual a indústria audioviosual dos EUA se encontra. Repetições de fórmula, confinamento de astros a personalidades icônicos, uma política de continuações e de remakes - tudo isso chocou o chicano que surfou na Nueva Onda latino-americana dos anos 2000, a mesma que revelou Cidade de Deus, de Fernando Meirelles; os argentinos El Bonaerense e Nueve Reinas e paulistíssimo O Invasor, de Beto Brant.

 Foto: Estadão

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Diante de uma Babel distinta da sua Babel (pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes em 2006), o cineasta egresso da Cidade do México achou Hollywood uma festa estranha com gente esquisita. E desta impressão tirou o clima desta comédia sobre um ator que, no passado, fez fortuna e fama sob a fantasia do Homem-Pássaro, e, no presente, amarga a indiferença dos colegas. Num empenho para reaver o respeito que perdeu (a começar pelo respeito consigo mesmo), Riggan Thomson (Keaton, numa atuação devastadora) tenta fazer uma peça na Broadway, tendo o pão-de-ló das artes cênicas (mas, ao mesmo tempo, garoto-enxaqueca dos palcos) como seu parceiro de ribalta: Mike (Edward Norton). Mas, com alma fraturada pela perda de prestígio e da autoconfiança, e com o bolso a vazar dólares por conta de uma montagem atribulada, Riggan vira uma espécie de Ubu Rei na patafísica que a Cultura das Celebridades se tornou: o darling de ontem é o looser de hoje. Bastava uma sequência para que o longa - laureado com Oscars de melhor filme, direção, roteiro original e fotografia - durasse para sempre em nós: o trecho no qual Keaton desfila só de cuecas pela Broadway, remoendo a impotência de ser uma estrela em ocaso. A fotografia de Emmanuel Lubezki enquadra a "Rua Larga" como uma Sodoma e Gomorra do entretenimento. Mas Iñarritu vai além e nos dá uma cena capaz de por abaixo a veleidade de uma das espécies mais ferozes da cadeia alimentar das artes: a crítica. O embate entre Riggan e a crítica de teatro nº1 de NY (Lindsay Duncan) revela a hipocrisia de uma classe que, por vezes, dá sinais de miopia, opacizada pela catarata da onipotência. Viva México! Viva Keaton!

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p.s.: Hoje saiu a lista do Bafta, o Oscar inglês, e os campeões de indicações, concorrendo em nove frentes cada, foram a love story Carol, de Todd Haynes, e Ponte dos Espiões, um thriller político (um tanto equivocado) de Steven Spielberg.  

 

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