Chamamos de "cinema de gênero" a disposição para se classificar um filme a partir de traços residuais identitários que, na forma, qualifiquem sua natureza dramatúrgica a partir das múltiplas camadas nas quais o Épico, o Drama e a Comédia se ramificam em busca de uma atualização e de uma POPularização de estratégias discursivas milenares. A analogia mais frequente usa gôndolas de supermercado. Em cada uma delas há uma linha de produto. Há que se reconhecer, num bater de olhos, a prateleira dos produtos higiênicos e a das massas. Cada uma terá uma unidade de arrumação própria. Massas incluem seus derivados, como molhos e temperos. Linhas de higiene vão intercalar guardanapos com pastas de dente. É uma lógica para que, sensorialmente, o consumidor se oriente. O circuito exibidor, na lógica de que o cinema é uma artindústria, um centauro de consumo, usa gêneros narrativos a fim de dar ao espectador um leme: pelo cartaz e pelas sequências iniciais, percebe-se que, um filme que se calca em sustos, será um terror. Assim como um filme calcado em gags vai para a prancha do cômico. E, nessa divisão, há longas-metragens que buscam uma mescla, buscando algo que seja indistinto, como se vê em pérolas como "Aventureiros do Bairro Proibido" (1986), de John Carpenter. Por razões políticas de pausteurização ideológica dos discursos fílmicos, a prática de gêneros foi desqualificada na América Latina. Tratados politizados eram a meta e não a fantasia. Mas a autorrenegeração inerente à fabula, este antídoto à alienação do game of thrones do Poder retórico, trouxe o fantástico de volta.
Um dos frutos mais suculentos da estética do assombro, o filão sociológico e filosófico do horror, que hoje alimenta o cinema nacional e já nos deu frutos preciosos como "A sombra do pai", "Animal cordial" e "Morto não fala", "Mormaço" é a autopsia em corpo vivo da geografia carioca. Com ele, Marina Meliande deu um sacode nos olhares da Holanda em sua primeira projeção mundial, em 2018, em Roterdã. Existe uma direção de atores surpreendente no arranjo narrativa de uma cineasta (conhecida pelo lúdico "A Alegria", rodado em parceria com Felipe Bragança) que usa uma espécie de funcionalismo para dissecar as podridões dos órgãos de uma cidade aberta (e partida socialmente). O desempenho feérico de Marina Provenzzano como a protagonista, Ana, que vai adoecendo com uma moléstia dematológica inexplicável conforme a burocracia municipal e o desmantelo predial avançam, é a espinha dorsal da exumação moral empreendida por Meliande. À época da passagem pelo evento holandês, a cineasta explicou que "o filme começa realista e ganha ares fantásticos, de cinema de horror". Na trama, a lucidez vai sendo imolada em sacrifício por uma cidade que se atomiza. A luz do filme, assinada pelo fotógrafo Glauco Firpo, assinala essa morbidez, afogando-se em breu. Destaca-se o desempenho do ator Pedro Gracindo como o arquiteto fã de Ramones e de Oxum que mexe com a paz de Ana.