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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Nos palcos do RJ, peça sobre carnaval flagra a apoteose da vida a dois

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Numa atuação azeitada, Gabriela Estevão, Pedro Monteiro e Jorge Luiz Jeronymo mostram na doce peça "Entregue Seu Coração no Recuo da Bateria" que a folia também é terreno para o verbo "perder" ser conjugado Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Na cadência bonita do samba, uma alegoria sobre os poderes autorregenerativos do amor alimenta de humor e molejo a reflexão sobre a vida a dois no teatro brasileiro sob a forma de uma peça capaz de aliar simplicidade e charme no esforço de produzir uma crônica sobre os bastidores do carnaval carioca: Entregue Seu Coração no Recuo da Bateria. Neste domingo, às 19h, ocorre a derradeira - e obrigatória - apresentação do texto de Marcus Galiña e Pedro Monteiro (também coprotagonista, numa atuação padrão banho de descarrego para qualquer coração em tempos de temporal) no palco do Centro Cultural Justiça Federal, no Centro do Rio de Janeiro. A partir do dia 2, a produção parte para o Teatro Miguel Falabella, castelo para a resistência das artes cênicas na Zona Norte do estado. Em cena, o que temos é apenas uma love story que um dia foi serpentina - longa e enrolada - e, hoje, reduziu-se a confete - pedacinho colorido de saudade.

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Sob a direção de Joana Lebreiro, que valoriza as tiradas cômicas, sem desperdiçar o azedume de uma relação em falência compulsória, Monteiro é Claudinho e Gabriela Estevão (econômica nos gestos e precisa na transcendência da fossa) é Ceci. Ela é uma porta-bandeira e ele, um mestre-sala. Faltam minutos pro GRES de ambos desfilar pela Sapucaí, mas uma D.R. irretrocedível pode impedir que os dois façam a alegria da escola pela qual militam. Como mediador, eles têm o mestre da bateria, Jorge Luiz Jeronymo, cujo peito batuca no ritmo da disciplina. Será tarefa dele fazer com que Ceci passe por cima dos vacilos de Claudinho e que este transforme sua lábia numa retórica analgésica, capaz de cicatrizes as feridas da desatenção e da luxúria desmedida.

De conversa em conversa, entre enredos que fizeram olhos sambistas marejar, o casal cria uma espécie de Antes do Amanhecer formato teatral, criando na plateia sensação igual à despertada pelos filmes românticos de Richard Linklater: a percepção de que saliva é merthiolate, ou seja, um alívio para cortes em sangue. O saldo maior de Entregue... é o sentimento de que ainda existe uma dramaturgia fresca em volta dos dilemas do querer, expressa em diálogos coloquiais com sal e pimenta.

p.s.: Falando de especiarias, se você não viu Elle, de Paul Verhoeven, não se deixe levar pelo mimimi e confira a melhor atuação de Isabelle Huppert desde A Professora de Piano (2001).

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