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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Na apoteose do real, o doc '82 Minutos' redefine a representação do carnaval

 

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

O Carnaval da Portela nas asas de "82 Minutos" Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Nas dividas de gratidão que o cinema brasileiro contraiu com Rei Momo, a perder de vista toda a essência de confete e lança-perfume das chanchadas, destacam-se (pelo menos) duas obras-primas sintonizada poeticamente com o real: Amor, Carnaval e Sonhos (1972), a micareta de Paulo Cezar Saraceni (1933-2012), e A Lira do Delírio (1978), o Bloco do Eu Sozinho de Walter Lima Jr. Mas a quilometragem documental feita aqui acerca das escolas de samba, bloquinhos e batuques afins anda considerável em quantidade e qualidade, abrindo até clareiras - em meio a uma série de pesquisas antropológicas (tipo o belo Mulatas - Um Tufão nos Quadris ou Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha) ou sociológicas (à la As Batidas do Samba) - para investigações sensoriais a partir da folia. É a essa família, a da sensorialidade, que se filia 82 minutos, um filme obrigatório sobre os bastidores de um desfile, que chega às telas esta quinta cozinhando, em fervura máxima, os códigos de observação do documentário no país, garantindo um degrau a mais na escala evolutiva da direção para o veterano crítico de cinema e realizador Nelson Hoineff (Caro Francis). É um exercício de fina inteligência aplicado ao prazer, no qual o rigor se materializa no enquadramento e na cadência reflexiva da narrativa.

 

Pode-se definir este longa-metragem como uma radiografia da gincana anual que mobiliza milhares de foliões em torno do desejo de ver sua escola brilhar (e ganhar) na avenida... a Marquês de Sapucaí. O foco de Hoineff é espetáculo setorizado nas Escolas de Samba do Grupo Especial, onde seis mil pessoas permanecem envolvidas, ao longo de um ano inteiro, na obra de construção de um desfile, a um custo estimado em US$ 5 milhões de dólares para uma só apresentação, com a duração exata de 82 minutos. É esse rito que o diretor esquadrinho, escolhendo a Portela como sua amostragem de pesquisa, enchendo a tela de azul e branco, sob a afiada fotografia de Pedro Kuster.

O carnaval da Portela nas asas de "82 Minutos" Foto: Estadão

Celebrizado na TV pelo programa Documento Especial, que misturou irreverência ao jornalismo, Hoineff é conhecido como cineasta por filmes de espinha dorsal biográfica, como O Homem Pode Voar (2006), com base nos feitos de Santos Dumont; o catártico Alô, Alô, Terezinha! (2009), conectado à memória de Chacrinha; e Cauby - Começaria Tudo Outra Vez (2013), no qual emprestava voz cinéfila a Cauby Peixoto. Porém, uma olhada atenta revela que as pessoas que então na alça de mira desses filmes são pouco mais do que agentes para um exercício documental que transcende a cinebiografia. Hoineff parte de seus (supostos) biografados para - com eles - construir análises sobre modos de agir, onde missão, vaidade e ideologia se almiscaram.

Seu delicioso doc com olhos no Velho Guerreiro é menos sobre Abelardo Barbosa e mais sobre nossa cultura "breganeja" e sua sobrevivência midiática, entre Wandos, Biafras e Gretchens em fase de perene renovação. Da mesma forma, Caro Francis é mais sobre a editorialização e o direito á opinião livre do que sobre Paulo Francis. E, nisso, em ensejo, 82 Minutos se articula na plenitude com seus filmes irmãos, numa ciranda autoral: é menos sobre a Portela e mais sobre a tarefa quase messiânica de manter um sonho de congraçamento popular vivo. Ele só é mais potente visualmente que tudo o que Hoineff fez até aqui, apresentado-se como um dos docs mais inquietos do ano em nossas telas, capaz de repaginar a representação do carnaval, com lirismo.

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