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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Muitas chanchadas no yakisoba do Hsu

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Letícia Lima, sob os lençóis com Emiliano D'Ávila, afia seu ferramental cômico em "Ninguém Entra, Ninguém Sai", do diretor de origem chinesa Hsu Chien  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECADécada entra, década sai e não há meios de se encontrar uma cura - graças a Deus! - para a influência medular que a chanchada exerce sobre a comédia nacional, como comprova a micareta Ninguém Entra, Ninguém Sai, longa-metragem de estreia do mais requisitado assistente de direção do país: o chinês radicado no Catete Hsu Chien. Ninja Jiraya no que diz respeito ao controle de sets rocambolescos, Hsu visitou os três momentos da cianciata brasileira - a comédia carnavalesca dos anos 1930 a 50, a comédia erótica feita de 1969 a 85 e a neochanchada - neste vaudeville que estreia no dia 4 de maio tendo como um híbrido de Dercy Gonçalves e Helena Ramos a soberba Letícia Lima. Não há um frame dela na tela que não produza risada, mesmo aqueles mais afrodisíacos, pois, no domínio das ferramentas humor, ela é um estandarte de renovação, pela maneira coloquial (quase sempre nervosa) como faz brotar piada das mais corriqueiras situações, sobretudo D.Rs. Tudo o que o filão chanchadesco, numa perspectiva histórica, pavimentou de sólido para o empoderamento feminino - seja em retratar mulheres que são senhorias de seu próprio desejo, seja em criar heroínas picarescas, malandras - é aproveitado por Letícia aqui, fazendo da barraqueira Suellen uma das mais vívidas personagens do nosso audiovisual em 2017 (mesmo nas horas em que, pelo excesso de plots, a narrativa tropeça no eixo). E, aqui, Hsu deu a ela um par capaz de galvanizar suas tiradas: Emiliano D'Ávila, do humorístico Vai Que Cola, no papel do motoboy Edu. Juntos, num retrato de tipos suburbanos que alcançam visibilidade (ainda que nas franjas do lícito) em um motel de luxo, Letícia e Emiliano lembram Dercy e Zé Trindade em Entrei de Gaiato (1959), de J. B. Tanko.

 

Suellen e Edu são "hóspedes" do Zeffiro's, um "hotel de encontros" que serve de centro nervoso a esta trama baseada em conto de Luis Fernando Veríssimo. Vai geral lá, afogar o ócio, até que uma suposta epidemia virótica, identificada em um faxineiro do tal motel, Donizete (Paulinho Serra, ladrão de cena profissional, que se impõe na tela com tiradas hilárias), faz com que o local seja interditado pela Saúde e pela PM. Por decisão do Dr. Fuzzili (Anselmo Vasconcelos, cada vez mais refinado na arte de fazer rir), os clientes do Zeffiro's terão de ficar em quarentena, o que deflagra uma ciranda de confusões, incluindo um ladrão (Rafael Infante), uma virgem (Mariana Santos), uma fundamentalista religiosa (Guta Stresser), uma juíza dominatrix (Danielle Winits), uma atendente risonha - mas nem tanto (Renata Castro Barbosa, ótima), Sidney Magal (!) e Sergio Mallandro (!!!!), sendo este último um achado do roteiro de Paulo Halm, na pele de Pai Lilico. É uma mistura de Saturday Night Live com Como Era Boa Nossa Empregada. Só faltou Carlo Mossy.

Esse clima de ensemble cast com intrigas enfileiradas quase como num batuque de samba Hsu - um cinéfilo contumaz - herdou (direta ou indiretamente) das chanchadas de formação, radiofônicas e circenses, nas quais cantores entravam sem qualquer justificativa realista em cena (tipo faz aqui Magal). Das pornochanchadas, Hsu buscou o erotismo latente e a onipotência feminina, transbordante na atuação de Letícia. Já da neochanchada, o mais subestimado (ainda) ramo do filão, conhecido por sucessos como De Pernas Pro Ar e Até Qua Sorte Nos Separe, o diretor buscou a atenção social aos personagens das classes C e D (de novo reina Suellen), que saem do anonimato à força do consumo. Mesmo que seja pelo poder de pagar um motel vip.

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