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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Marcello Quintanilha leva a Palma de Ouro da HQ

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Quadrinista niteroiense conquista o Fauve d'Or no Festival de Angoulême, o mais respeitado fórum de análise estética de HQs do mundo - @FIBD Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Respeitado há cerca de cinco décadas como se fosse uma espécie de Cannes das histórias em quadrinhos, também sediado na França, o Festival de Angoulême concedeu seu prêmio principal de sua 49ª edição à graphic novel brasileira "Escuta, Formosa Márcia", roteirizada e desenhada pelo niteroiense Marcello Quintanilha. Coube a ele o Fauve d'Or, troféu em forma de felino equivalente à Palma dourada cannoise, coroando uma trama que sintetiza agruras da periferia brasileira. O prémio especial do júri, presidido pela escritora e musicista Fanny Michaëlis, foi para o álbum "Des Vivants", de Raphaël Meltz, Louise Moaty e Simon Roussin. Hoje com 51 anos, Quintanilha se torna um dos mais respeitados nomes da HQ mundial, revelado em 1999, com "Fealdade de Fabiano Gorila" (Ed. Conrad). Seu estilo detalhista de desenhar flertar com o legado cinematográfico do neorrealismo nos gibis, o que lhe valeu uma comparação com o cineasta Dino Risi (1916-2008), o mítico diretor das "comédias tristes" da Itália, como "Aquele Que Sabe Viver" (1962). Marcello já havia conquistado notoriedade na Europa com "Tungstênio" (2014), adaptado como longa-metragem em 2018, por Heitor Dhalia. Esse painel das contradições geopolíticas da Bahia foi premiado em Angoulême, na categoria Melhor Narrativa Policial, o Fauve Polar - que, este ano, coroou "L'Entaille", de Antoine Maillard. Mas o troféu que ele recebe agora é uma consagração definitiva, para sua trajetória quadinística. Lançado no Brasil pela Veneta, o mais recente álbum do desenhista e escritor foi publicado em terras parisienses pela Ed. Ça et Lá, cercada de adjetivos superlativos atribuídos pela revista "Télerama". Lá, o crítico Stéphane Jano escreveu, encantado: "Quintanilha continua a nos surpreender. (...) Ele retrata admiravelmente pessoas comuns apanhadas em situações nada ordinárias". Depois de "Luzes de Niterói" (2019) e "Talco de vidro" (2015), ele regressa às gibiterias com a história da enfermeira Márcia. Mãe solteira, nascida e criada em uma comunidade do Estado do Rio, ela vem travando uma verdadeira batalha doméstica para disciplinar sua filha, a insubordinada Jaqueline. Apesar do auxílio de seu companheiro, Aluísio, padrasto da garota, tudo parece inútil, pois Jaqueline não aceita se submeter a nada que a impeça de sair por aí e fazer o que quiser, sem dar satisfações a ninguém. Porém, quando a jovem se vê envolvida até o pescoço com o crime organizado, Márcia estará disposta a chegar às últimas consequências para livrá-la dessa enrascada. Quer Jaqueline queira, quer não. Radicado em Barcelona desde 2002, Quintanilha conversou com o P de Pop por e-mail e fez um balanço do mercado de HQs europeu.

 Foto: Estadão

Em que pé você vê o quadrinho, hoje, na Europa, onde vive, como um negócio? É possível sobreviver desse mercado? Como? O quanto um prêmio como o troféu Fauve d'Or ajuda na sua sobrevivência e catapulta a venda dos seus álbuns? Marcello Quintanilha: Essa é uma pergunta que nos coloca sempre diante da questão da legitimação de um meio a partir de sua capacidade em proporcionar dividendos a seus integrantes, o que, provavelmente, retiraria toda a legitimidade histórica da literatura brasileira, construída graças ao funcionalismo público ou ao jornalismo; afinal, não me parece que Machado de Assis recebesse direitos autorais muito vultosos para escrever "Memórias Póstumas de Brás Cubas". O mercado editorial se trata de um meio onde tanto maior é a capitalização de um produto quanto maior é sua comercialização. Assim, autores que alcançam cifras altas de vendas têm mais possibilidades de se dedicar exclusivamente aos quadrinhos. Autores cujas cifram sejam mais baixas a terão em menor medida. Para mim, no entanto, esse nunca foi um diferencial fundamental para avaliar a viabilidade de uma proposta, muito menos quando tratamos de algo tão vivo como os quadrinhos.Que materiais (físicos) você usa no seu trabalho, para um álbum como "Escuta, Formosa Márcia" ? Digo, é nanquim, é lápis? Como processualmente tirar essa ideia do papel? E quanto tempo de trabalho? Marcello Quintanilha: "Escuta, formosa Márcia" é meu primeiro álbum feito inteiramente de forma digital, em Photoshop, e acho que consegui um resultado extremamente orgânico, porque já vinha investigando as aplicações há algum tempo. Seu desenvolvimento se deu a partir da minha intenção em trabalhar uma personagem capaz de chegar a atitudes extremas para salvar uma filha, e por anos dei voltas ao argumento. A canção, o ambiente, as personagens foram chegando aos poucos. Utilizei uma paleta reduzida a escassas 28 cores, que não correspondem a seus equivalentes no mundo real, como uma metáfora que expressa a desconexão com a realidade tão presente no mundo de hoje, sobretudo na esfera política.Em quantas línguas você é editado hoje? O que significa ver o Brasil premiado com um troféu tão simbólico para a cultura pop? Marcello Quintanilha: Já fui publicado em Polonês, Espanhol, Inglês, Italiano, Alemão e Sérvio. O significado dos prêmios tem muito mais a ver com a visibilidade de um determinado trabalho e me sinto particularmente satisfeito de que histórias tão fundamentadas na cultura brasileira, como são as minhas, tenham a capacidade de chegar a um público tão amplo, e, aparentemente, sem a obrigatoriedade de que esse novo público tenha qualquer conhecimento prévio sobre a realidade brasileira.

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